
Hoje eu debato esta questão doutrinariamente mas, quando fui Juiz, eu me
defrontei com o aborto em concreto. Lembro-me do caso de uma mocinha. Quase à
morte foi levada para um hospital que a socorreu e comunicou depois o fato à
Justiça. O Promotor, no cumprimento do seu dever, formulou denúncia que recebi.
Designei interrogatório. Então, pela primeira vez, eu me defrontei com o rosto
sofrido da mocinha. Aquele rosto me enterneceu mas não havia ainda nos autos
elementos para uma decisão. Designei audiência e as testemunhas me informaram
que a acusada tinha o costume de toda noite embalar um berço vazio como se no
berço houvesse uma criança. No mesmo instante percebi o que estava ocorrendo.
Nem sumário de defesa seria necessário. Disse a ela, chamando-a pelo nome:
“Madalena (nome fictício), você é muito jovem. Sua vida não acabou. Essa
criança, que estava no seu ventre, não existe mais. Você pode conceber outra
criança que alegre sua vida. Eu vou absolvê-la mas você vai prometer não mais
embalar um berço vazio como se no berço estivesse a criança que permanece no
seu coração. Eu nunca tive um caso igual o seu. Esse gesto de embalar o berço
mostra que você tem uma alma linda, generosa, santa. Você está livre, vá em
paz. Que Deus a abençoe.”
A decisão nestes termos, em nível de diálogo, foi dada naquele momento.
Depois redigi a sentença no estilo jurídico, que exige técnica e argumentação.
João Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado
(ES), escritor e colaborador do Blog Barradocordanews. Tem proferido palestras e ministrado seminários em faculdades,
seccionais da OAB, igrejas etc.
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