Dino defende protagonismo dos governadores para superar a crise política nacional
El
País – O governador do Maranhão, Flávio Dino (São Luis, 1968), se
declara um comunista promovendo o capitalismo no Estado com os piores
indicadores sociais de todo o país. Depois de cerca de 50 anos de
domínio da família Sarney, Dino afirma que se encontrou com um sistema
baseado no paternalismo, onde não existe a livre concorrência, nem o
livre mercado, onde são comuns os contratos fantasmas e superfaturados.
“Que estou cuidando do capitalismo para depois pensar no socialismo
acabou virando piada, mas eu preciso estimular os investimentos, deixar
claro aos investidores que há respeito às regras do jogo, modernizar a
economia e não ter grupo protegidos pelo Estado”.
Militante
do Partido Comunista, juiz federal e professor de Direito
Constitucional, o governador maranhense representa a mudança radical que
trouxeram as urnas em 2014 no Estado de Maranhão, e, como outras vozes
no país, reclama mais protagonismo dos governadores no cenário de crise
atual. “Dilma precisa se apoiar em agentes políticos que estejam fora do
olho do furacão”, afirma.
Pergunta. Qual é o seu maior desafio desde que você assumiu o poder no Maranhão?
Resposta.
O mais desafiador é viabilizar uma transição política que consiga
melhorar a vida da população, principalmente nesta conjuntura que nós
vivemos. Tenho muito claro que depois de 50 anos de domínio dos Sarney
não é suficiente apenas substituir quem detém o poder. O obstáculo está
em você precisar construir uma nova institucionalidade, consolidar
alianças e enfrentar traços culturais de uma tradição, me refiro muito
especialmente ao patrimonialismo: o aparato estatal sempre esteve a
serviço de interesses privados, pessoais e familiares.
Agora
é preciso implementar uma cultura da legalidade, mudar a maneira como
se contratam as pessoas, as compras do Governo… Porque tudo era
submetido a uma lógica oligárquica, coronelista. Eu digo que tenho uma
agenda de quatro séculos. A do século XVIII dos direitos civis; do
século XIX dos direitos políticos; do século XX dos direitos sociais; e
do século XXI do novo desenvolvimento. Tudo concentrado em um governo
só.
P. O que de mais escandaloso você encontrou da gestão anterior?
R.
São tantas coisas. A prática generalizada de contratos fantasmas e
superfaturados que nós estamos desmontando: coisas que poderiam ser
feitas por 10 milhões de reais, sendo feitas por 30 milhões de reais.
Isso é muito chocante para mim. A outra é o nível de abandono das
pessoas mais pobres. É claro que eu sabia disso, mas continua sendo
chocante. Para te dar um exemplo, nós ainda temos 1.000 escolas de
barro, de palha, escolas que não têm chão, onde as crianças não têm
dinheiro para comprar calçado para ir ao colégio. É claro que esses
meninos não vão aprender, que quando fizerem 15 anos vão sair da escola.
P. Como você enfrenta esses desafios com fortes restrições no orçamento?
R.
Eu comecei o governo com um cenário de muitos avanços práticos porque
conseguimos cortar 120 milhões de reais em gastos supérfluos e reunir
recursos. Mas cada vez tenho menos dinheiro, a crise nacional chegou com
muita força nas finanças estaduais. As obras federais foram paralisadas
e isso gerou desemprego, e a redução dos repasses obrigatórios do
Governo federal caiu 20% agora no mês de julho. Se essa queda se
repetisse durante todo o ano, resultaria na perda de um bilhão de reais
em um orçamento de 14 bilhões. Isso vai diminuir o ritmo de conquistas.
Mas vamos avançar, eu tenho uma operação de crédito com o BNDES, e falo
isso para afirmar como esse banco é importante para o Brasil, então
ainda tenho um saldo para gastar nos próximos meses. E fiz muitos cortes
de gastos, sobretudo em contratos terceirizados, como o da empresa que
administrava as penitenciárias, que era um contrato de 16 milhões e
cortamos a quatro milhões de reais.
P. Como avalia a energia que domina a Câmara nesses dias?
R.
Um fato externo da política levou à dissolução completa da agenda
nacional. Esse fato é a Operação Lava Jato. A política passou a ser
pautada pela agenda da polícia, do poder Judiciário, do Ministério
Público. Neste momento, de um lado, o Governo tem dificuldade de abordar
a crise econômica e de outro, o Congresso produz debates que são
secundários. É como se a agenda verdadeira do país estivesse sendo
secundarizada. E as consequências ai estão: a crise brasileira tem uma
dimensão econômica, mas o mais desafiador é a dimensão política. Se nós
pegamos as sete últimas eleições presidenciais, seis foram disputadas
pelo PT e o PSDB, e essas forças hoje não conseguem reconduzir o debate
político.
P. Qual e sua opinião sobre o presidente da Câmara?
R.
Hoje Eduardo Cunha tem uma dificuldade objetiva, determinada pela
Operação Lava Jato. Progressivamente ele vai ter dificuldades de exercer
o cargo que exerce. Na conjuntura atual ele precisa de conflitos para
tirar o foco dele, ele não é um agente pacificador neste momento.
De um lado, o Governo tem dificuldade de abordar a crise econômica e de outro, o Congresso produz debates que são secundários
P. Como você acha que se alcança a paz?
R.
A solução pode estar entre o PT e o PSDB. Ambos são filhos da esquerda e
do pensamento progressista paulista, que só se cindiu em 1994, na
primeira eleição que Lula e FHC disputaram em cantos opostos. Eu não
consigo imaginar que vamos sair de onde estamos com saídas
convencionais. Não é possível revigorar o lulismo, por exemplo, a
realidade não comporta essa solução. A conjuntura exige três movimentos.
Primeiro, deve-se criar algum tipo de diálogo entre as principais
forças políticas do país, sobretudo no nível institucional: regras do
jogo, tirar o impeachment da mesa, respeitar a autonomia da polícia e do
Judiciário, liberdade para desfecho da Lava Jato… Segundo, a esquerda
deve se reorganizar. Eu defendo algo parecido à Frente Ampla do Uruguai
ou à Concertação chilena [união de 17 partidos]. Ou seja, os partidos
mantêm suas identidades históricas, mas se aglutinam em uma nova
institucionalidade, para você ter um novo polo na esquerda. Em terceiro
lugar, Dilma deve se apoiar nas lideranças políticas que não estão no
olho do furacão, que são os governadores dos Estados. Ela tem que tentar
construir uma agenda para o país que seja fora da agenda da crise
política.
P. É possível?
R.
Este último movimento pressupõe uma mudança na política econômica
vigente. Sobre tudo no que se refere ao financismo, à visão dogmática do
ajuste fiscal como uma imposição indeclinável dos mercados financeiros.
Se você analisar friamente, os indicadores não são trágicos assim: 6%
de desemprego, 9% de inflação, 58% de relação da dívida com o PIB, nós
temos algum espaço de manobra, não estamos em um beco sem saída. Agora, é
preciso querer sair do beco, e o financismo o impede, porque ele só
coloca um ciclo vicioso com viés de baixa: recessão, juros altos e
cortes de gastos se retroalimentam. você continuar nessa agenda vai
aprofundar a recessão de modo incontrolável. E acho que esse é o debate
mais importante neste momento. Em síntese, é preciso novos atores com
uma nova agenda.
P.
Você é governador de um Estado entre duas regiões, a Amazônia e o
Nordeste. Os governadores do nordeste explicitaram na Carta de Teresina
apoio à presidenta Dilma. Por que não tem surgido a mesma iniciativa do
Norte no último encontro de governadores?
Hoje
Eduardo Cunhatem uma dificuldade objetiva, determinada pela Operação
Lava Jato. Ele vai ter dificuldades de exercer o cargo que exerce
R.
As cartas são uma expressão do pensamento médio. No caso da Amazônia o
pensamento médio é uma defesa das regras do jogo democrático e não houve
consenso para uma referencia explícita de apoio a presidenta. Foi
discutida, eu defendi, mas não passou. Havia divergências políticas.
P. Defenderia o impeachment de Rousseff?
R.
Sou radicalmente contra o impeachment, primeiro por convicção jurídica.
O impeachment do presidencialismo não é igual à moção de confiança do
parlamentarismo. Não existe impeachment por impopularidade. Não há
nenhuma decisão do TCU [Tribunal de Contas da União]. Mas vamos imaginar
que o argumento é valido, mesmo eu pensando que as tais pedaladas
fiscais são ficção porque não houve operação de crédito disfarçada, o
caso é do mandato anterior. Você não pode revogar um mandato com base em
um fato de mandato anterior. Isso é juridicamente indiscutível. E
segundo por considerar que uma eventual saída da presidenta Dilma iria
aprofundar a crise institucional que nós ainda não resolvemos.
P.
Voltando ao Maranhão, como pretende resolver os problemas de violência e
corrupção nas penitenciárias do Estado, famosas por casos como as
decapitações e canibalismo em Pedrinhas?
R.
Hoje Pedrinhas não é tão diferente de outras penitenciárias do Brasil.
Nós reduzimos a mortalidade nos presídios em 63% e as fugas em 61%. Não é
zero, eu sei. Este ano tivemos quatro mortes no sistema prisional, no
ano passado eram 20. Mas você vai me dizer que quatro mortes é um
absurdo, e eu vou concordar. É absurdo. Esse ano tivemos já 15 fugas, a
maioria derivadas de acordos dos presos com agentes das prisões. Por
isso substituímos praticamente todos os 968 funcionários terceirizados
do sistema.
P. O que significaria para um sistema prisional como o do Maranhão se a redução da maioridade penal fosse aprovada?
R.
Eu já enfrento essa dificuldade, porque nossa população penitenciária
cresceu neste ano 10% em seis meses, hoje temos 6.800 presos. Então se
aprovassem essa medida, não seria sustentável. Fora a parte prática, sou
totalmente contra porque é uma falsa solução, uma vez que a
participação dos menores em crimes é absolutamente minoritária. O que
devemos é aprimorar os mecanismos de punição antes que promover o
aumento da superpopulação carcerária com base em um argumento que vai
levar à redução primeiro até os 12 anos, e depois até os 10 anos. Porque
as quadrilhas vão recrutar crianças cada vez mais novas. Estamos
gastando energia cívica neste assunto, perdendo o tempo. Por que as
instituições no Brasil estão todas enfraquecidas? Porque a sociedade não
está se reconhecendo na institucionalidade que deixou de debater o que
realmente importa, como a agenda da qualidade serviços públicos.
Enquanto continua o debate político, o povo continua pendurado no
ônibus, no subemprego, na moradia precária…
Gilberto Lima