O Globo
BRASÍLIA – Um “cochilo” do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), deixou nesta quarta-feira o governo em maus lençóis. Para surpresa dos líderes da base aliada, Sarney cobrou o relatório do senador Humberto Costa (PT-PE) sobre a proposta de regulamentação da Emenda 29, que vinha tramitando em regime de urgência. Para evitar que a proposta fosse colocada em votação ainda esta semana, os governistas foram obrigados a recuar na quebra de interstício na tramitação da proposta de emenda constitucional (PEC) que prorroga a DRU (Desvinculação de Receitas da União), que haviam acabado de aprovar sob os protestos da oposição. Com isso, o governo corre o risco de só conseguir colocar a DRU para votar em primeiro turno no próximo dia 8, isso se nenhuma emenda for apresentada ao texto.
- Se for apresentada alguma emenda, a PEC terá de voltar para a Comissão de Constituição e Justiça e o primeiro turno terá de ser adiado para a outra semana. Com isso, a convocação extraordinária do Congresso será inevitável para assegurarmos que a DRU seja votada até dia 31 de dezembro – admitiu o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).
A oposição comemorou o tropeço do governo e faz planos não só de votar a regulamentação da Emenda 29 a partir da próxima terça-feira, como também de obstruir a votação da DRU, caso o governo não garanta a destinação de mais recursos para a Saúde. Com dificuldades para barrar o resgate do texto original da regulamentação da Emenda 29, que obrigaria a União a investir 10% de sua receita bruta na Saúde, o governo estuda outras alternativas para aumentar a receita da Saúde, que tenham um impacto menor nos cofres públicos.
- Senhor presidente, me desculpe, mas vossa excelência não é tão ingênuo assim. E deixou o governo em maus lençóis – disparou Demóstenes.
- Senador Demóstenes, de minha parte posso dizer que agi de absoluta boa-fé – reagiu Sarney
Nos bastidores, a suspeita é de que Sarney e o PMDB estariam criando dificuldades para a votação da DRU, para valorizar o apoio do partido mais a frente. A suspeita, especialmente entre os petistas, é de que Sarney não teria se atrapalhado ao iniciar a discussão de Emenda 29 durante a sessão do Senado, o que garantiu que a oposição exigisse que o governo recuasse em sua tentativa de encurtar a tramitação da DRU em pelo menos um dia.
- Não entendi porque essa matéria foi colocada em discussão – reclamou Humberto Costa da tribuna.
- O presidente Sarney descumpriu tudo que havíamos acertado na reunião de líderes – confirmou Jucá, mas fora do microfone.
Antes de recuar em seu pedido de quebra de interstício na tramitação da DRU, o governo ainda tentou consertar a medida tomada por Sarney. O líder do governo anunciou que encaminharia à Mesa um requerimento solicitando a extinção do pedido de urgência para a proposta de regulamentação da Emenda 29. O líder do PSOL, Randolfe Rodrigues (AP), brecou a estratégia governista lembrando que o pedido de urgência para a matéria já havia sido votado pelo plenário e só poderia haver um recuo com a concordância de todos os líderes que haviam assinado inicialmente o requerimento de urgência.
Na tentativa de resolver o impasse, Sarney propôs, então, que a oposição concedesse um prazo de mais 24 horas para que Humberto Costa apresentasse seu parecer. Mas interessado em adiar a votação da proposta para a próxima semana, enquanto tenta construir um acordo sobre o tema, o governo acabou aceitando a proposta da oposição e recuou na quebra do interstício da tramitação da PEC da DRU, que havia sido aprovada à revelia do DEM, PSDB e PSOL.
Com isso, as cinco sessões de discussão da PEC da DRU, exigidas pelo regimento interno, só começam a ser contadas a partir de amanhã e terminam no próximo dia 8. Se for apresentada alguma emenda à proposta, a matéria terá de retornar obrigatoriamente à CCJ. A oposição está colhendo assinaturas para apresentar pelo menos três emendas à PEC da DRU. Cada uma delas necessita do apoio de pelo menos 27 senadores. Caso os oposicionistas obtenham sucesso nesta empreitada, a votação em primeiro turno da DRU poderá ser adiada para o dia 13.
Como o regimento interno exige um interstício de cinco sessões entre um turno e outro, e ainda estão previstas três sessões para discussão da matéria, a votação do segundo turno da PEC da DRU poderia ficar para o dia 23 de dezembro. A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, reuniu-se à tarde com a bancada petista e não escondeu sua preocupação com o calendário apertado para a votação da DRU. Ela teria se queixado bastante do comportamento do PMDB do Senado.