Cada
pessoa é destinada a colocar um tijolo na construção do mundo. A vocação é
essencial em qualquer atividade.
Etimologicamentre,
vocação vem de chamar, invocar. Pelo caminho da Etimologia veremos na vocação
um chamado.
Pode
parecer, à primeira vista, que determinadas profissões não exigem vocação, ou
seja, podem ser desempenhadas por qualquer pessoa, indiferentemente.
Não
concordo que determinados ofícios sejam excluídos do rol dos que exigem
vocação. Vou dar um exemplo muito simples, porém expressivo.
Observemos
a conduta de coveiros no ato de sepultar seres humanos. Chama nossa atenção algumas
vezes o ar circunspecto, de profunda interiorização espiritual, revelado na
face daquele ser humano que coloca na sepultura o corpo de outro ser humano.
Coveiros que testemunham no semblante a importância do que fazem, que emprestam
ritual na maneira como realizam sua tarefa têm vocação para o ato de conduzir
alguém a sua última morada.
É
relevante o trabalho dos coveiros.
Imaginemos
o transtorno social que uma greve de coveiros causaria. Aliás, uma suposta
greve de coveiros foi o tema de um conto premiado do escritor paulista
Hildebrando Pafundi. Nesse conto, a greve não ocorreu porque o fim do movimento
foi decretado antes de sua deflagração, justo na véspera do dia em que, na
pequena cidade onde transcorre o enredo, faleceram cinco pessoas.
Como
muito bem colocou Ingrid Dalila Engel,
“Quando
o nosso projeto de vida é traçado, um dos pontos mais significativos é a
escolha da área profissional.”
As
dificuldades enfrentadas pelos jovens na escolha de uma profissão decorrem, em
grande parte, das incertezas do próprio mundo contemporâneo.
Como bem
colocou Sílvia Regina Rocha Brandão:
“A
sociedade contemporânea revela muita insegurança e incerteza quanto a valores:
não há pontos de referência estáveis. Isto torna muito difícil para o homem
atual identificar o que vale a pena.”
Assentado
que toda profissão requer vocação, o que é a vocação na magistratura?
A vocação
na magistratura é alimentada por uma paixão.
Ser juiz
não é realizar um trabalho burocrático que se resumiria em comparecer ao forum,
cumprir um expediente, realizar audiências, voltar para casa levando quase todo
dia processos para decidir e, no fim do mês, receber um salário razoável, ou
até mesmo um salário que pode ser considerado bom, principalmente em cotejo com
os rendimentos da maioria das pessoas, mesmo aquelas portadoras de curso
superior.
Ser juiz
é muito mais que isto.
Vejo o
juiz como alguém cujo papel é estar a serviço. Que não ocupe apenas um cargo,
mas desempenhe uma missão. Sem prerrogativas e vantagens pessoais.
Boas leis
são importantes para que o país progrida e o povo seja feliz.
A lei
como instrumento de limitação do poder é um avanço da cultura humana.
Mas da
nada valem boas leis nas mãos de maus juízes.
A tábua
de valores de uma sociedade não está apenas na lei. Está bem mais que
isso na substância moral dos aplicadores da lei.
Como
ponderou Lucas Naif Caluri:
“Vários
são os requisitos éticos exigidos dos magistrados, dentre os quais podemos
citar: a imparcialidade, a probidade, a isenção, a independência, a vocação, a
responsabilidade, a moderação, a coragem, a humildade, dentre outros.”
Há um
elenco de profissões nas quais prepondera o humanismo como horizonte
inspirador.
Se em
todas as profissões deve haver traço humano, em algumas profissões o traço
humano deve ser a estrela-guia.
Incluo a
Magistratura, ao lado da Medicina, como tarefa na qual o Humanismo é condição sine
qua non do exercício profissional.
Se o
Humanismo deve ser o norte a guiar o magistrado, o princípio da dignidade
humana deve ser a referência fundamental a orientar os julgamentos. Não há
Direito, mas negação do Direito, fora do reconhecimento universal e sem
restrições do princípio da dignidade da pessoa humana.
Somente a
Constituição Federal de 1988 abrigou expressamente, no seu texto, o princípio
da dignidade da pessoa humana (inciso 3 do artigo primeiro).
Mas ainda
que a Constituição não explicitasse esse princípio, ele teria de ser afirmado,
especialmente pelos juízes, porque o princípio da dignidade da pessoa humana
está acima da Constituição e das leis. Integra aquele elenco de valores que a
doutrina chama de metajurídicos.
Acho que
o zelo pela dignidade humana é a tarefa que melhor singulariza a vocação do
magistrado.
Recuso a
fria denominação de partes para denominar as pessoas que buscam a
prestação jurisdicional.
Aqueles
que comparecem em Juízo pedindo Justiça não são partes, são pessoas,
e como pessoas devem ser compreendidas e ouvidas.
João Baptista
Herkenhoff, magistrado aposentado, palestrante, colaborador do blog Barradocordanews, escritor. Autor de: Escritos de
um jurista marginal (Livravia do Advogado, Porto Alegre) e outros livros.