Não existe processo de transformação ou de inovação que
não seja lento, não traga incertezas e não tenha muita resistência no início, seja
sutil ou deliberada.
É de domínio público nos meios jurídicos que em 1929, a
Câmara Criminal do Tribunal da Relação de Minas Gerais anulou uma sentença
judicial datilografada porque não tinha sido escrita pelo juiz de próprio
punho. O tribunal considerou, naquela oportunidade, que o uso da máquina de
escrever era incompatível com um dos valores basilares do processo penal, o do
sigilo das decisões antes da publicação. Depois, algumas foram anuladas por
serem produzidas em microcomputadores, e isso poderia gerar uma produção em série,
tirando do juiz a análise peculiar de cada caso. Mais recentemente as anulações
e o debate giraram em torno da validade das videoconferências.
Esses entraves são
decorrentes das inovações surgidas e da má vontade de adaptação da maioria das
pessoas ao novo. Ocorrem na iniciativa privada, mas é bem mais presente na
administração pública, com destaque no Poder Judiciário. Não é peculiaridade só
de um órgão, mas de algumas instituições nas quais a inovação e o aprimoramento
soam como algo demasiado perturbador.
Há muito tempo a informatização chegou ao Poder
Judiciário, mas em determinadas áreas não progrediu muito. Em razão dos
avanços, as sentenças não são mais manuscritas, a impressão pode ser em
máquinas a laser. Entretanto, só a tecnologia aplicada de maneira progressiva e
definitiva evitará que os processos se arrastem por anos a fio sem julgamento.
Primeiro, o Conselho Nacional de Justiça deveria exigir o
cumprimento dos prazos de implantação do sistema de processo eletrônico definidos
pelo próprio órgão. Alguns tribunais já utilizam o processo eletrônico desde a
petição inicial até a publicação da decisão final.
Independente de quando for implementado, algumas
complicações operacionais serão inevitáveis. A primeira barreira a ser vencida
seria a má vontade de muitos diretores inseguros e de funcionários conservadores.
Depois, as dificuldades operacionais inevitáveis de toda iniciação a serem
transpostas com a prática e o aperfeiçoamento contínuo. Por fim, a resistência
principal sustentada na alegação de segurança e preservação da documentação.
Esse argumento nem deveria ser mencionado, já que há alguns anos todo órgão
envolvido numa denúncia pegava fogo e os processos viravam cinza literalmente.
São embaraços naturais e não necessariamente problemas,
até por que as vantagens aparecerão logo. De início, o espaço será de outra
ordem, já que vão acabar as pilhas e o transporte de montanhas de autos.
Atualmente, alguns tribunais contratam empresas terceirizadas para subir e
descer com a papelada. Esse dinheiro poderia ser aplicado no treinamento dos
envolvidos.
Será inevitável a implementação do processo eletrônico.
Pode ser mais demorado dependendo da resistência das mentes conservadoras, mas
a universalização ocorrerá em toda a administração pública. Foi assim com as
declarações de imposto de renda, com as operações financeiras pela Internet e
com o voto eletrônico, que gerou descontentamento até pela rapidez da apuração.
Ainda continua sendo impressos boletins de urna para serem empilhados num
canto. Qual a necessidade dessa impressão, se os dados estão nas mídias?
De imediato, ao menos toda documentação interna, ofícios,
memorandos, circulares, deveria se ficar restrita a procedimento apenas eletrônico.
Também as autorizações de saída de automóvel, de retirada de objetos, de
conserto disso e daquilo, com cópias arquivadas somente em mídias. E aqui não
caberia o “ou não”, do “simplista” Caetano Veloso.
Mas na grande maioria há um disfarce, uma dissimulação
com o objetivo de justificar a resistência. Como todo novo procedimento traz
necessariamente uma nova linguagem, os processos não serão levados, nem os
recursos subirão, apenas serão disponibilizados ou liberados, expressões muito
utilizadas no sistema financeiro.
Mas o processo eletrônico acabaria com a principal
contradição existente e nem sequer percebida: hoje quase todos os documentos
são processados eletronicamente, em seguida transformados em papel para
voltarem às mídias por meio de digitalização, tão em voga. Precisa-se estancar
essa produção de cachorro mordendo o próprio rabo.
Com a implantação do processo eletrônico, muitas páginas
com termos, despachos, certidões, cópias com publicações e o termo de
arquivamento poderão ser substituídos por um click. A tão decantada quantidade
de páginas de inquéritos e processos de hoje dará lugar aos bytes, aos
yottabytes ou yobibytes. Manter a monstruosidade dos processos de papel
corresponde a alguém deixar de assistir a um filme em 3D por um em fita
cassete; ou desprezar um avião e preferir ir à Paraíba de pau-de-arara.
Pedro Cardoso da Costa – Interlagos/SP
Bacharel em
direito
FUMANTE, NÃO JOGUE BITUCA NO CHÃO. A RUA É DE TODOS.
Pedro Cardoso da Costa é colaborador do Barradocordanews.com