Por: Flávio Dino
O
Direito, como técnica de organização da vida social e de solução das
controvérsias, busca permanentemente a superação de antinomias. Para
isso servem os diversos métodos de interpretação jurídica, entre os
quais está o método lógico.
A
votação da Câmara, ao não atingir o quorum constitucional de
deliberação para perda de mandato do deputado Donadon, conduz a
resultado ilógico, destituído de razoabilidade. Basta indagar: é
possível a um cidadão condenado criminalmente a regime fechado exercer
um mandato parlamentar por telepatia ou por e-mail ?
O
sistema jurídico não possui lacunas absolutas. Sempre haverá uma regra
jurídica aplicável, que supra o aparente vazio normativo. Assim,
parece-me que há dois caminhos para a Câmara sair do labirinto em que,
infelizmente, se meteu.
O
primeiro, é considerar que neste caso não há preclusão consumativa, já
que estamos diante de um ato administrativo discricionário ( e não de um
ato integrante do processo legislativo). Ou seja, como não houve a
formação de maioria absoluta, podem ser feitas novas votações, mediante
provocação fundamentada de qualquer partido político representado no
Congresso Nacional, repetindo-se o procedimento com ampla defesa.
Por
simetria, é como se a votação – ao não atingir o quorum de maioria
absoluta em qualquer dos sentidos – fosse equivalente a uma sentença que
extingue o processo sem julgamento do mérito (não produzindo coisa
julgada material). Há precedentes no Senado de repetição de votações, no
caso da apreciação de nomes indicados a cargos que exigem aprovação
parlamentar como condição de investidura.
Outro
caminho está na incidência do artigo 55, inciso II, da Constituição.
Afinal, é óbvio que um parlamentar condenado por crimes graves e a penas
elevadas, recolhido a estabelecimento penal em regime fechado durante o
mandato, incide em procedimento incompatível com o decoro parlamentar.
Neste caso, não se debate o momento do cometimento dos crimes, e sim o
instante do início da execução da pena em regime fechado como
caracterizador da quebra de decoro.
Pode
ter fato mais indecoroso do que um parlamentar impedido de modo
absoluto de exercer suas funções, por estar em regime fechado em uma
penitenciária?
Qualquer
uma das soluções supera uma contradição fática que não pode prevalecer,
e é mais compatível com o princípio da moralidade do que a concessão de
licença a parlamentar em tão esdrúxula situação. Vale destacar:
deputado licenciado, deputado é.
Flávio Dino,
professor de Direito Constitucional (UFMA), Mestre em Direito Público
(UFPE), foi juiz federal (1994-2006) e deputado federal (2007-2011),
quando integrou a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.