“O ex-presidente Sarney, sem comentários, nunca me dirigiu a palavra”, afirma o piloto, atualmente com 60 anos e ainda na ativa, voando em um Boeing 767 na Rio Linhas Aéreas, companhia de transporte de cargas de Curitiba. Naquele 29 de setembro de 1988, Murilo seguia de Porto Velho para o Rio de Janeiro e, após escala em Belo Horizonte, teve o avião sequestrado. “Ele entrou no avião com cem balas dentro do casaco jeans e um revólver. Deu, com certeza, mais de 20 tiros dentro do avião”, lembra o comandante, cujo copiloto naquela manhã, Salvador Evangelista, foi morto a sangue frio por Nonato, que estava “muito nervoso e arisco”. Um tripulante em treinamento já havia sido baleado na perna durante as tentativas do sequestrador de invadir a cabine.
Murilo conseguiu informar a torre de comando do sequestro e da mudança de rota para Brasília. Das 50 mil libras de combustível que enchem o tanque de um Being 737, ele se viu com 1,8 mil libras no céu de Goiânia. Foi quando um tonneau (giro completo sobre o eixo da aeronave) e um parafuso (trajetória vertical descendente e em espiral), os únicos registrados até hoje no modelo, derrubaram o sequestrador. “Fiz as manobras porque o combustível do avião já havia acabado e o motor esquerdo parou primeiro. Resolvi brigar antes de morrer. As únicas chances que tinha seriam com manobras com o avião, pois eu estava amarrado no assento da cabine.”
Mesmo com as acrobacias, o aviador garante que os passageiros não entraram em pânico. “Os passageiros foram espetaculares, não me deram nenhum problema.” Com Nonato desorientado, Murilo pôde aterrissar em segurança no aeroporto internacional Santa Genoveva, na capital goiana. A negociação no solo se estendeu até o início da noite, quando Nonato tentou descer do Boeing utilizando Murilo como escudo e foi baleado por policiais federais, morrendo três dias depois. A última bala disparada pelo tratorista desempregado atingiu a coxa de Murilo.
Embora não tenha percebido reconhecimento do principal alvo do atentado, Murilo diz que outras vidas salvas não lhe negaram homenagens. “Durante algum tempo, os passageiros alemães mantiveram contato e faziam festa todos os anos no dia 29 de setembro, mas, com o passar do tempo, alguns morreram e a animação foi acabando.”
O comandante não se permite entusiasmo ao falar das medalhas do Mérito Santos-Dumont e da Ordem do Mérito Aeronáutico com que foi condecorado. “As mesmas medalhas foram dadas à esposa do ex-presidente (Luiz Inácio) Lula (da Silva), ao, na época, ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, e a muitos outros em quem não vejo mérito algum para as mesmas.”
Depois de lecionar na Faculdade de Ciências Aeronáuticas da Universidade do Tuiuti, no Paraná, o comandante Murilo voltou a ser piloto. Os 44 anos de profissão, que somam 25 mil horas de voo, diz ele, “não deixam espaço para medo, mesmo porque a aviação é muito segura”.
De acordo com ele, a segurança aeroviária melhora “a cada dia, porém a passos curtos, que não acompanham o crescimento acelerado da aviação. A aviação precisa de um grande e rápido investimento, mais pistas, mais equipamentos eletrônicos de auxílio, mais treinamento para os controladores”.
A preocupação aumenta com a iminência de eventos como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Segundo Murilo, os eventos “trazem riscos muito grandes, com o aumento do fluxo e com a falta de equipamentos mais modernos para o controle de tráfego, assim como a falta de mais pistas para pouso e espaço físico para embarque e desembarque de passageiros e para o estacionamento de aeronaves”.
Entrevistado por diversos veículos de comunicação logo após o atentado de 11 de setembro de 2001 nas Torres Gêmeas e no Pentágono, Murilo viu o ato terrorista de Curitiba, quando ainda ministrava aulas na faculdade, 13 anos depois de garantir a continuidade de cerca de 100 vidas sob a sua responsabilidade e de outras tantas que, inabaladas, não fizeram questão de executar a simples manobra do agradecimento.