21 novembro, 2016

EXISTE UMA MANEIRA MELHOR DE SE VIVER NA VELHICE? - DR. ANTONIO JALDO RESPONDE

* Antonio Jaldo N. Santos


Nas últimas décadas, cada vez mais, verifica-se o crescimento da população idosa no mundo. As condições que possibilitam esse crescimento são diversas, advindas das descobertas científicas, mais especificamente da ciência médica, do desenvolvimento tecnológico, de fatores nutricionais e de muitos outros das áreas sociais e culturais. Tudo isso vem favorecendo a ampliação da expectativa da vida humana e, por outro lado, no polo contrário, constata-se uma diminuição crescente na taxa de natalidade.

Essa realidade nos obriga a refletir sobre a velhice e o envelhecimento em nossos tempos. Pesquisas indicam que muitos idosos levam um tipo de vida que propicia sentimentos de solidão, apatia e insatisfação, principalmente nos grandes centros urbanos. Esse fato certamente decorre de diversas causas, destacando-se a diminuição do contato social, na medida em que o sujeito, via de regra, investe cada vez menos em novas relações interpessoais, fundamentais ao ser humano, uma vez que o homem é um ser essencialmente social.

Outro fato significativo a ser notado é a mudança que tem ocorrido na própria estrutura familiar e, consequentemente, social, referente ao lugar do idoso. Hoje o lugar que é reservado para as pessoas mais velhas em nossa sociedade, não é mais o lugar que ele tinha anteriormente, quando deixava uma posição mais ativa de produção, para ocupar outra, de igual valor e importância social, que era um lugar de respeito e sabedoria, em função de uma experiência já vivida. Nesse sentido, o horizonte dado aos mais idosos, atualmente, é o LUTO, queremos dizer, ele é condenado a viver o tempo todo com a memória das experiências passadas, sem nenhuma expectativa do novo e/ou de algum ganho em sua vida. Ora, o luto é uma reação natural, pela perda de algo, que o indivíduo percorre com sofrimento e vai lentamente se desligando; mas, para que isso aconteça, para que saia do luto, é necessário que outras conquistas apareçam no seu horizonte, não simplesmente como substituto do que foi perdido, mas como objeto de investimento, prazer e realização. Se isso não ocorre, normalmente, o que acontece? O sujeito volta-se para o seu próprio EU - agora, não mais como um EU que tem valor, mas como um EU negativo, que não serve para nada, um EU denegrido, na medida em que o EU não existe sem o outro. 

Obviamente que, como sabemos, ocorrem muitas modificações físicas e psíquicas no envelhecimento. A aparência se modifica, a resistência, a força e a memória não são mais as mesmas e, muitas vezes, ainda, há uma perda parcial da saúde, ensejando mudanças no comportamento, sentimentos de insegurança, medo, tensão e redução da autonomia que, dependendo de cada um e do avançar da idade, podem implicar numa dependência maior ou total do outro, praticamente repetindo o que ocorre na infância. Além de tudo isso, o sujeito vive com a sensação ameaçadora da proximidade da morte. 

É muito importante lembrarmos que a velhice é somente mais uma das fases da vida – reconhecer isto, encarando-a como evolução, pode ser o começo para vivenciá-la com mais qualidade. E registremos, é o que de melhor pode acometer ao ser humano, pois, não envelhecer significa morrer precocemente, não concluindo o ciclo natural da vida. 

Cada uma das várias fases da vida tem suas características próprias - agradáveis e desagradáveis. Nessa fase, bem como nas demais, não se pode generalizar, porque, além das características físicas e psíquicas específicas, vivenciá-las é também um processo que envolve a subjetividade de cada um, a maneira como o sujeito se vê e se percebe, bem como a maneira como é visto e percebido pelos outros. Em outras palavras, afirmamos que as diversas fases, embora dotadas de coisas comuns, podem se apresentar de maneira múltipla e diversificada – e, assim, pode e deve ser a velhice - cada sujeito vivendo-a na sua singularidade. 

O envelhecimento, em nossa cultura, tem uma conotação social e cultural preconceituosa - é a fase da decrepitude física, das doenças, da feiura e da inutilidade, que representam a proximidade com a morte. Simone de Bevoir, no livro A Velhice (*¹), diz que os idosos são tratados como seres inferiores, tendo suas responsabilidades tiradas e suas opiniões e emoções desconsideradas. Seus amores e paixões são vistos como ridículos e o sexo como repugnante. Resta-lhes, em decorrência, uma posição de humilhação e, inclusive, de culpa, por considerarem-se uma sobrecarga para suas famílias e para a sociedade.

O idoso, então, além das características próprias da velhice, tem em si mesmo essa representação preconceituosa, que vem do outro, da cultura – em consequência,confunde a sua própria realidade, misturando a imagem que tem de si mesmo, com a imagem que o outro tem dele. Tende, então, a responder de maneira afetiva, comportamental e com o próprio corpo (viver doente, indisposto, cansado, ser antissocial etc.) do lugar em que é colocado ou, se quiserem, do lugar que esperam que ele ocupe. 

Todas essas coisas fazem com que essa fase da vida seja amais difícil e a mais sofrida, mas, ela pode sim ser mais qualitativa, se o sujeito conseguir levar em conta a sua própria realidade, buscar subverter os preconceitos, elaborar suas perdas e lutos, reinventando os padrões de sua vida e, assim, possibilitando formas de ganho e de prazer. É imprescindível manter os seus vínculos afetivos, tanto com as pessoas quanto com os seus ideais e atividades, investindo sempre em objetos externos, evitando voltar-se de maneira destrutiva para o próprio EU, conforme já mencionamos. 

Karl Abrahan (*²), num artigo sobre a aplicabilidade do tratamento analítico em idosos, argumenta que, para a eficácia do tratamento,é muito mais importante levarmos em conta a “idade da neurose”que a idade cronológica do paciente. Ou seja, a subjetividade do sujeito, a reinvenção de sua maneira de viver é fundamental para uma vida prazerosa na velhice. 

A morte é, possivelmente, a questão mais temida nesta fase, mas ela existe tanto para os mais velhos como para os mais jovens. Ocorre que o jovem sabe da sua existência, mas age como se ela ainda não fosse para ele - na verdade, isso é uma defesa onipotente que não condiz com a realidade,pois a morte pode ocorrer em qualquer fase da vida. O idoso, por outro lado, atormenta-se com a proximidade da morte, pensando que se escapou dela na juventude, agora não tem mais jeito.

Para falar sobre isso, comentaremos sobre o fragmento de um do filme que gostei muito de ver e, sobre o qual não lembro o nome para citar como referência. Era um diálogo entre um homem jovem e outro mais velho. Eles conversavam, entre outras coisas, do tempo que cada um teria para realizar seus desejos e ideais. O mais jovem falava, a partir da falsa fantasia onipotente, própria da juventude, conforme falei no parágrafo anterior, que ele teria mais tempo para suas realizações, por ser jovem e estar mais longe da morte. O mais velho, causando grande espanto ao outro – e até aos espectadores - responde: “quem te garante isso?” 

Na verdade, não sabemos nada ou quase nada da morte. Temos o passado, o presente e o futuro. O passado é representado por nossa história; o presente é o que temos, o que vivemos, o aqui e agora; e o futuro é sempre o que imaginamos, o que temos como esperança. 

Na lógica da idade cronológica, considerando a expectativa da vida humana, os idosos estão mesmo mais próximos da morte, em uma desvantagem em relação aos mais jovens.Mas essa não é a única lógica que devemos levar em conta. Face à lógica de que nada ou quase nada sabemos sobre a morte, os idosos e os mais jovens estão na mesma condição. Talvez seja essa ultima, então, a lógica que deva prevalecer:vivermos, naturalmente, enquanto podemos e como podemos. 

* Dr. Antonio Jaldo Nascimento Santos é Psicanalista renomado, radicado em Brasília e colaborador do blog Barradocordanews

(*¹) – Simone de Bevoir é uma filósofa francesa e em 1990 publicou o livro A VELHICE.
(*²) – Karl Abrahan é um psicanalista alemão e escreveu artigos sobre a velhice.

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