Nas últimas décadas, cada vez mais, verifica-se o crescimento da
população idosa no mundo. As condições que possibilitam esse crescimento
são diversas, advindas das descobertas científicas, mais
especificamente da ciência médica, do desenvolvimento tecnológico, de
fatores nutricionais e de muitos outros das áreas sociais e culturais.
Tudo isso vem favorecendo a ampliação da expectativa da vida humana e,
por outro lado, no polo contrário, constata-se uma diminuição crescente
na taxa de natalidade.
Essa realidade nos obriga a refletir sobre a
velhice e o envelhecimento em nossos tempos. Pesquisas indicam que
muitos idosos levam um tipo de vida que propicia sentimentos de solidão,
apatia e insatisfação, principalmente nos grandes centros urbanos. Esse
fato certamente decorre de diversas causas, destacando-se a diminuição
do contato social, na medida em que o sujeito, via de regra, investe
cada vez menos em novas relações interpessoais, fundamentais ao ser
humano, uma vez que o homem é um ser essencialmente social.
Outro
fato significativo a ser notado é a mudança que tem ocorrido na própria
estrutura familiar e, consequentemente, social, referente ao lugar do
idoso. Hoje o lugar que é reservado para as pessoas mais velhas em nossa
sociedade, não é mais o lugar que ele tinha anteriormente, quando
deixava uma posição mais ativa de produção, para ocupar outra, de igual
valor e importância social, que era um lugar de respeito e sabedoria, em
função de uma experiência já vivida. Nesse sentido, o horizonte dado
aos mais idosos, atualmente, é o LUTO, queremos dizer, ele é condenado a
viver o tempo todo com a memória das experiências passadas, sem nenhuma
expectativa do novo e/ou de algum ganho em sua vida. Ora, o luto é uma
reação natural, pela perda de algo, que o indivíduo percorre com
sofrimento e vai lentamente se desligando; mas, para que isso aconteça,
para que saia do luto, é necessário que outras conquistas apareçam no
seu horizonte, não simplesmente como substituto do que foi perdido, mas
como objeto de investimento, prazer e realização. Se isso não ocorre,
normalmente, o que acontece? O sujeito volta-se para o seu próprio EU -
agora, não mais como um EU que tem valor, mas como um EU negativo, que
não serve para nada, um EU denegrido, na medida em que o EU não existe
sem o outro.
Obviamente que, como sabemos, ocorrem muitas modificações físicas e
psíquicas no envelhecimento. A aparência se modifica, a resistência, a
força e a memória não são mais as mesmas e, muitas vezes, ainda, há uma
perda parcial da saúde, ensejando mudanças no comportamento, sentimentos
de insegurança, medo, tensão e redução da autonomia que, dependendo de
cada um e do avançar da idade, podem implicar numa dependência maior ou
total do outro, praticamente repetindo o que ocorre na infância. Além de
tudo isso, o sujeito vive com a sensação ameaçadora da proximidade da
morte.
É muito importante lembrarmos que a velhice é somente mais
uma das fases da vida – reconhecer isto, encarando-a como evolução, pode
ser o começo para vivenciá-la com mais qualidade. E registremos, é o
que de melhor pode acometer ao ser humano, pois, não envelhecer
significa morrer precocemente, não concluindo o ciclo natural da vida.
Cada
uma das várias fases da vida tem suas características próprias -
agradáveis e desagradáveis. Nessa fase, bem como nas demais, não se
pode generalizar, porque, além das características físicas e psíquicas
específicas, vivenciá-las é também um processo que envolve a
subjetividade de cada um, a maneira como o sujeito se vê e se percebe,
bem como a maneira como é visto e percebido pelos outros. Em outras
palavras, afirmamos que as diversas fases, embora dotadas de coisas
comuns, podem se apresentar de maneira múltipla e diversificada – e,
assim, pode e deve ser a velhice - cada sujeito vivendo-a na sua
singularidade.
O envelhecimento, em nossa cultura, tem uma
conotação social e cultural preconceituosa - é a fase da decrepitude
física, das doenças, da feiura e da inutilidade, que representam a
proximidade com a morte. Simone de Bevoir, no livro A Velhice (*¹), diz
que os idosos são tratados como seres inferiores, tendo suas
responsabilidades tiradas e suas opiniões e emoções desconsideradas.
Seus amores e paixões são vistos como ridículos e o sexo como
repugnante. Resta-lhes, em decorrência, uma posição de humilhação e,
inclusive, de culpa, por considerarem-se uma sobrecarga para suas
famílias e para a sociedade.
O idoso, então, além das
características próprias da velhice, tem em si mesmo essa representação
preconceituosa, que vem do outro, da cultura – em consequência,confunde a
sua própria realidade, misturando a imagem que tem de si mesmo, com a
imagem que o outro tem dele. Tende, então, a responder de maneira
afetiva, comportamental e com o próprio corpo (viver doente, indisposto,
cansado, ser antissocial etc.) do lugar em que é colocado ou, se
quiserem, do lugar que esperam que ele ocupe.
Todas essas coisas
fazem com que essa fase da vida seja amais difícil e a mais sofrida,
mas, ela pode sim ser mais qualitativa, se o sujeito conseguir levar em
conta a sua própria realidade, buscar subverter os preconceitos, elaborar
suas perdas e lutos, reinventando os padrões de sua vida e, assim, possibilitando formas
de ganho e de prazer. É imprescindível manter os seus vínculos afetivos,
tanto com as pessoas quanto com os seus ideais e atividades, investindo
sempre em objetos externos, evitando voltar-se de maneira destrutiva
para o próprio EU, conforme já mencionamos.
Karl Abrahan (*²),
num artigo sobre a aplicabilidade do tratamento analítico em idosos,
argumenta que, para a eficácia do tratamento,é muito mais importante
levarmos em conta a “idade da neurose”que a idade cronológica do
paciente. Ou seja, a subjetividade do sujeito, a reinvenção de sua
maneira de viver é fundamental para uma vida prazerosa na velhice.
A
morte é, possivelmente, a questão mais temida nesta fase, mas ela
existe tanto para os mais velhos como para os mais jovens. Ocorre que o
jovem sabe da sua existência, mas age como se ela ainda não fosse para
ele - na verdade, isso é uma defesa onipotente que não condiz com a
realidade,pois a morte pode ocorrer em qualquer fase da vida. O idoso,
por outro lado, atormenta-se com a proximidade da morte, pensando que se
escapou dela na juventude, agora não tem mais jeito.
Para falar
sobre isso, comentaremos sobre o fragmento de um do filme que gostei
muito de ver e, sobre o qual não lembro o nome para citar como
referência. Era um diálogo entre um homem jovem e outro mais velho. Eles
conversavam, entre outras coisas, do tempo que cada um teria para
realizar seus desejos e ideais. O mais jovem falava, a partir da falsa
fantasia onipotente, própria da juventude, conforme falei no parágrafo
anterior, que ele teria mais tempo para suas realizações, por ser jovem e
estar mais longe da morte. O mais velho, causando grande espanto ao
outro – e até aos espectadores - responde: “quem te garante isso?”
Na
verdade, não sabemos nada ou quase nada da morte. Temos o passado, o
presente e o futuro. O passado é representado por nossa história; o
presente é o que temos, o que vivemos, o aqui e agora; e o futuro é
sempre o que imaginamos, o que temos como esperança.
Na lógica da
idade cronológica, considerando a expectativa da vida humana, os idosos
estão mesmo mais próximos da morte, em uma desvantagem em relação aos
mais jovens.Mas essa não é a única lógica que devemos levar em conta.
Face à lógica de que nada ou quase nada sabemos sobre a morte, os idosos
e os mais jovens estão na mesma condição. Talvez seja essa ultima,
então, a lógica que deva prevalecer:vivermos, naturalmente, enquanto
podemos e como podemos.
* Dr. Antonio Jaldo Nascimento Santos é Psicanalista renomado, radicado em Brasília e colaborador do blog Barradocordanews
(*¹) – Simone de Bevoir é uma filósofa francesa e em 1990 publicou o livro A VELHICE.
(*²) – Karl Abrahan é um psicanalista alemão e escreveu artigos sobre a velhice.
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