"O Brasil é uma
dualidade e, se não o estudarmos assim, háde parecer-nos uma construção
caótica, sem nexos internos estabelecidos e, sobretudo, sem história"
Ignácio Rangel
O pensador maranhense Ignacio
Rangel completou 100 anos de nascimento. A mente do economista Ignácio Rangel seguiu o destino de
sua cidade-natal, Mirador: esta fornece água
para formar o majestoso Rio Itapecuru, enquanto que aquela verteu sobre o país fecundas teses acerca da
natureza dos problemas e das soluções
para o Brasil.
“Um mestre da economia brasileira”, definiu o ex-ministro e
professor da USP Bresser Pereira. Suas ideias impressionaram intelectuais dos
mais diferentes matizes, como Delfim Netto e o geógrafo
Elias Jabbour, que o considera o mais inovador pensador brasileiro de todo o século 20. No grupo de
assessoramento econômico
de Getúlio, Rangel foi um
dos redatores dos projetos de criação
da Petrobras e Eletrobras, duas das mais importantes estatais brasileiras e que
são essenciais na história do desenvolvimento do país.
O pensamento de Ignácio Rangel ganhou peso no meio
acadêmico brasileiro nos
anos 50 e 60, por sua análise
das causas da inflação no
Brasil, da questão agrária e dos métodos científicos de análise dos problemas sociais. No
entanto, sua principal contribuição
está incluída na obra “Dualidade Básica da Economia Brasileira”, de 1953.
Nesta obra, Rangel parte da
ideia marxista de que vários
sistemas sociais coexistem no mesmo período
de tempo. Ou seja, o capitalismo não
surgiu da noite para o dia. Mas vai nascendo e desenvolvendo-se enquanto ainda
existia o feudalismo. A originalidade de Rangel está em perceber que o desenvolvimento
brasileiro, resultante de uma história
de séculos de colonização e produção exportadora, gerou uma
economia com centros produtivos altamente sofisticados envoltos e convivendo
com relações sociais de
natureza diversa.
Esses núcleos de excelência ajustam-se “a uma economia externa
diferente da sua”. Mas não são capazes de gerar, sozinhos, a riqueza
suficiente para superar a pobreza de milhões de pessoas. A convivência dessas duas
realidades é a
contradição central que o
Brasil tem de enfrentar. Como escreveu Rangel: “(…)
todos os nossos institutos, todas as nossas categorias – o latifúndio, a indústria, o comércio, o capital, o trabalho e
a nossa própria
economia nacional – são mistos, têm dupla natureza, e se nos
figuram coisas diversas, se vistas do interior ou do exterior, respectivamente”. Uma das questões que deriva daí é: como fazer com que esses núcleos sofisticados de produção de riqueza também possam alimentar a economia
interna, e não apenas se
relacionar com os centros de consumo no exterior?
Se olharmos para o caso específico do Maranhão, constatamos quão úteis são
as ferramentas de análise
expostas por Rangel. Temos uma das maiores desigualdades do país em um estado que produz
tantas riquezas, forjadas com amparo em máquinas
sofisticadas, levadas ao exterior por trilhos e portos, enquanto largas
parcelas do povo maranhense não
participam dos pactos de poder e de estruturas modernas.
Essas e outras reflexões emergem da fecunda vida
intelectual desse grande maranhense. Louvo a iniciativa do Conselho Regional de
Economia e da Universidade Federal do Maranhão,
entre outras instituições,
em realizar seminários e
lançamento de livros que
permitam a maior difusão
de diálogos e interpretações acerca da obra de Ignácio Rangel.
Nesse momento em que se
anuncia uma luta de idéias
essencial para o futuro do Maranhão,
creio ser interessante recordar outra característica
de Rangel, qual seja a de que ele foi um “teórico não-acadêmico”. Isto é: todas suas teorias
surgiam da análise dos
problemas da realidade brasileira, com o objetivo de resolvê-los. Exercícios similares são muito importantes para que
possamos avançar na
estratégia de liquidação da dualidade básica da economia brasileira (e
maranhense).
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