17 outubro, 2015

Maranhão 2014 – uma derrota dos coronéis eletrônicos

Triunfo de Flávio Dino, que completa um ano neste mês, foi também o êxito do uso de novas formas de comunicação, que abriram brechas no domínio dos coronéis da mídia local

Por Daniel Merli*

Revista Forum
Neste outubro, completa-se um ano da vitória de Flávio Dino na disputa pelo governo do Maranhão, encerrando 50 anos de domínio da família Sarney. Vitória de ampla coalizão contra o atraso, liderada por um comunista, fato inédito em eleições estaduais no país. Foi também o êxito do uso de novas formas de comunicação, que abriram brechas no domínio dos coronéis da mídia local.
O Maranhão pode ser considerado um estado-síntese do chamado “coronelismo eletrônico” – o controle de emissoras de TV por políticos, retroalimentando seu poder local. No Maranhão, das quatro principais TVs, três são controladas por políticos. A TV Mirante, retransmissora local da TV Globo, é da própria família Sarney – gerando a situação esdrúxula de, ao longo de quatro mandatos, a governadora Roseana anunciar na emissora de sua própria família.
A TV Difusora, retransmissora do SBT, é de propriedade da família Lobão, do senador e ex-ministro Edison e do candidato derrotado por Flávio Dino, Edinho. A TV Maranhense, retransmissora da Band, é de Manoel Ribeiro, até o ano passado deputado estadual pelo PTB e líder do governo Roseana na Assembleia. De cara, o quadro já colocou o candidato de oposição para participar de três debates televisivos organizados por empresas de seus adversários.
Nesse quadro, a internet teve um papel essencial, mesmo no estado com os menores índices de acesso à internet do país, de acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, da Secom da Presidência da República. A conexão baixíssima, em sua maior parte via celular, transformou o WhatsApp no principal meio de comunicação. E criou canais de comunicação da militância que se espalharam pela sociedade, permitindo a criação de redes de apoio aos ataques da família Sarney.
As empresas de comunicação logicamente também foram para a rede, onde há predomínio de audiência da iMirante – braço digital do Sistema Mirante. Mas a falta de legitimidade na cobertura – e principalmente na não-cobertura – de alguns temas, abriu caminho para muitas iniciativas autônomas. A transposição dos editores do jornal da família Sarney, O Estado do Maranhão, para serem blogueiros oficiais do sarneysismo na rede, não deu conta da concorrência de jornalistas independentes que atuam no estado.
Um episódio marcante para a virada foi a crise do Presídio de Pedrinhas, que ganhou repercussão nacional e mundial, mas como tantas outras, não encontrava reverberação nos veículos locais. Acabou sendo difundida localmente principalmente por blogs como o Marrapá, o que potencializou a audiência dessa iniciativa do jornalista Leandro Miranda.
Para a campanha de Flávio Dino, a internet teve papel essencial na contestação de ataques ao candidato por veículos das famílias que controlavam politicamente o Maranhão.
Foi o caso de um vídeo supostamente “vazado” na internet, que foi ao ar na TV Difusora, do então candidato Edinho Lobão, e apareceu no jornal da família Sarney. No vídeo, um presidiário em um suposto depoimento atribuía a Flávio Dino a organização de um assalto em São Luís. O vídeo foi “desconstruído” no mesmo dia e divulgado pelas redes. Em menos de 24 horas, o preso já havia sido identificado e admitiu que havia recebido uma promessa de pagamento para encenar o vídeo. A vacina ajudou a inocular o episódio, que teve efeito reverso para a candidatura sarneyzista, terminando por descredibilizá-la.
Foi a edição de vídeos que permitiu à campanha difundir porWhatsApp para a rede de apoiadores as edições dos melhores momentos de Flávio Dino nos debates organizados pelas emissoras de TV de seus adversários. E dar visibilidade nacional aos abusos, como a famosa entrevista para a TV Mirante, em que o candidato é perguntado apenas sobre o comunismo e não sobre o estado.
No domingo que marcou o fim de seu domínio de 50 anos no estado, José Sarney usou a coluna na capa de seu jornal para criticar justamente a internet. Atribuía a ela a difusão da informação de que o Maranhão frequentava as piores posições em todos os índices de qualidade de vida, para ele uma mentira. “Cada vez mais, com o avanço das comunicações em tempo real, é mais fácil você ser enganado e não saber onde está a verdade”. Questionava: “calculem se Pilatos tivesse naquele tempo blogueiros, sites, Facebook, WhatsApp e essa parafernália toda”.
Hoje no governo, Flávio Dino mantém a internet como seu principal canal de diálogo com a população, por meio de seus perfis e do governo no Facebook e Twitter – por onde anunciou os nomes do secretariado e as principais medidas de governo. O governo também investiu em um canal próprio de radiodifusão que é a Rádio Timbira, emissora pública que havia sido sucateada durante as décadas de governos Sarney.
Mas a iniciativa mais importante foi o lançamento, ainda no primeiro ano de governo, de um Orçamento Participativo (OP) no Maranhão por meio de consultas pela internet. O modelo de OP havia se consagrado nas gestões municipais do PT nos anos 1990, marcando o “jeito petista de governar”, e foi implantado em nível estadual pelo então governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra. Teve menos destaque ou foi simplesmente deixado de lado em outras gestões de esquerda. Que a retomada, facilitada pela consulta eletrônica, seja a semente de mudança de modelos de gestão pelo país.
*Daniel Merli, 38 anos, foi coordenador da campanha de Flávio Dino para redes sociais e internet

Nenhum comentário:

Postar um comentário