* Dr. Antonio Jaldo Nascimento Santos
Os afetos como o medo, a solidão e o abandono, instauram-se no
sujeito ate mesmo em forma de terror e de pânico, quando o sujeito em
qualquer situação da vida, vê-se confrontado com a sua própria condição
de desamparo originário. Algo lhe indica, sinaliza-lhe, que o lugar onde
esperava encontrar a presença concreta de um fiador da estabilidade de
seu mundo, está fundamentalmente vazio. Nestes momentos, o desamparo é
sem limite, parece estar em todo lugar e em todo momento.
Mas
então, de que desamparo estamos falando e, principalmente, onde podemos
localizá-lo na existência do sujeito? Ele é o núcleo, a significação da
situação de perigo e situa-se no centro da angústia e dos afetos como a
solidão, o abandono e, ainda, de formações psicopatológica como a
síndrome do pânico e de muitas formas de depressão.
A condição de
desamparo humano é vista na concepção psicanalítica, desde sua
formulação inicial, sob a perspectiva do estado de impotência
psicomotora do bebê até reencontrá-lo, mais tarde, à base do desespero
do homem, quando confrontado à precariedade de sua existência e que o
leva à criação de deuses onipotentes, supostamente capazes de controlar
de modo benfazejo as potências do universo.
O estado de desamparo
humano está sempre ligado e tem como referência a condição de
dependência do bebê e, este estado de impotência primitiva torna-se cada
vez mais um protótipo visualizável de um desamparo, que permanece
durante toda a vida adulta. Descobre-se ainda, que o desamparo situa-se
também em um lugar onde, como diz
Lacan, “ O homem nesta relação consigo mesmo que é a sua própria
morte, não poderá esperar ajuda de ninguém”.
O que estou tentando dizer é que a angústia constitui uma modalidade
particular de confrontação do sujeito com o seu desamparo originário. Os
deuses, os grandes condutores das massas e, em uma relação mais pessoal
e íntima, na infância, nossos pais e, mais tarde, nossos amores, ocupam
esse lugar insuportavelmente vazio da falta de garantias.
É
então, evidente a intensa dependência que temos do outro, tanto para
sobreviver – no início da vida – como para nos desenvolvermos e nos
relacionarmos. É através do outro que o sujeito constitui o seu próprio
eu, por isso, por exemplo, a importância do amor e da generosidade de
uma mãe, que nos olha, lá no princípio, e nos presenteia com uma imagem
de si mesmo, que nos permite durante toda a nossa vida gostarmos de nós
mesmos. É claro que isso não significa uma auto-suficiência, e sempre
vamos precisar do outro, de uma forma ou de outra, pois é através dele
que nos reconhecemos. Não existe um ser dentro de nós, uma identidade
que nos identifica e que basta acioná-la, para termos acesso garantido
de quem somos, de nossas características e isso nos basta para termos
uma certeza absoluta de nosso ser. O outro sempre funciona como na
origem, como um espelho que reflete nossa imagem e nosso eu. É através
dele que nos sentimos reconhecidos e amados.
Mas, por uma razão
ou outra, entre um amor e outro, em nossos momentos de solidão, ou em
momentos em que somos olhados e tratados agressivamente e/ou com
indiferença pelo outro, temos que ter um olhar estruturante em nós, que
nos permita estar só, sem uma dependência imediata do “outro”, cuja
ausência podemos sentir como devastadora e desesperadora.
Portanto,
se por um lado o desamparo é uma condição fundadora da existência
humana, pois só é possível se humanizar na relação com o outro, por
outro lado, essa dependência ao outro pode se tornar tão grande, que
anulamos, desvalorizamos e humilhamos o nosso próprio eu em prol do
outro e, em consequência disso deixamos pra lá o nosso próprio desejo,
nossas escolhas e nosso olhar em prol de outras pessoas.
Ficamos alienados de nós mesmos, de forma, que, em momentos de solidão somos tomados por angústia, quando aquilo que está oculto em nós, que negamos pelo outro, pode implodir.
Nas
paixões e nas rupturas amorosas, é justamente isso o que vemos: o
sujeito idealiza tanto o outro, que ele se torna o grande Outro. Quero
dizer, somente ele serve para lhe reconhecer, lhe amar e preencher os
seus vazios existenciais. Isso é uma relação neurótica, por excelência.
Na minha opinião, é justamente aí que a condição de desamparo,
necessária às relações humanas, deslizam do status do amor e viram uma
neurose.
Essa é a questão: ficar sozinho não é fácil, pois impõe a
companhia de si mesmo. A angústia, a solidão e o sentimento de abandono
não advém somente do estado de estar só, mas das fantasias que as
povoam: das culpas, dos ressentimentos, do medo de não conseguir
alcançar o ideal que impomos a nós mesmos.
A solidão não é algo
que podemos escolher ou abandonar: somos solitários. Afinal, cada um é
único e não é possível dividir com outra pessoa, de forma plena, todas
as sensações, percepções e transformações internas que sentimos.
Sentimos
com o nosso próprio corpo e nossa história de vida, e é através desse
corpo e dessa história que percebemos e interagimos com o mundo, de
forma muito singular. O outro não sou eu: isso as vezes é insuportável,
pois significa que temos que carregar o peso de nossa própria
existência, sozinhos. Nossos limites e nossas faltas nos pertence, são
de nossa própria responsabilidade e não do outro. A densidade desse peso
pode nos tornar leve e é isso o que Kundera descreve com o seu trabalho
“A insustentável leveza do ser”. Desse peso podemos construir algo
suportável e até muito agradável, ou podemos senti-lo como um fardo que
temos que carregar a vida toda.
O prazer e a alegria também podem
ser extraídos da solidão e isso ocorre quando possuímos um mundo
interno povoado, rico em palavras e em boas lembranças; um grande mundo
simbólico que nos fortalece, por meio do qual podemos compreender e amar
parte de nossa história. Assim, quando a sós, podemos brincar com nossa
faltas, por que não estamos verdadeiramente sozinhos, mas na
companhia dos afetos de muitas pessoas que passaram por nossa vida.
Podemos construir diálogos de nossa história com o mundo ( por exemplo,
com a literatura, a música, o cinema e etc).
Ao contrário do que se pensa, só é possível estar verdadeiramente com o outro, quando se sabe estar só.
Como
saber amar o outro e até se separar dele, se necessário for, se não se
ama a própria história? Como ver e respeitar o outro em sua diferença e
até mesmo poder perceber que ele, na maioria das vezes, não é, nem tem o
que se quer dele, se não podemos vê-lo separado de nós mesmos, em sua
individualidade e nós, na nossa? O grande problema do amor é que,
através dele, na maioria das vezes, queremos unir, estabelecer, ou
melhor, restabelecer uma união simbiótica que na verdade nunca tivemos,
apenas criamos de forma mítica para dar conta de nossas angústias.
Como
já disse antes, a solidão, a angústia, o abandono e muitas formas de
patologias psíquicas como as depressões, a síndrome do pânico etc.,
surgem com muita frequência por ocasião de um rompimento amoroso ou
ainda, em situações que possam significar uma separação ou perda, até
mesmo naquilo que se refere à perda de nosso próprio ideal. Nesses
casos, a perda do objeto desejado ou amado, assemelha-se à perda de
partes de nós mesmos, impedindo assim a supressão da dor, na medida em
que partes do nosso eu está ilusoriamente com o outro.
Vou terminar, citando Ovídio em “Metamorfoses”:
“O objeto do teu amor não existe
A sombra que vês é o reflexo da tua imagem
Ela não é nada em si, é de ti que ela surgiu,
E é em ti que ela persiste.
Tua partida a haveria de dissipar,
Se tivesses a coragem de partir.
Dr. Jaldo, o senhor não sabe o tanto que me ajudou a leitura do seu texto.
ResponderExcluir