13 outubro, 2016

Artigo de Antonio Jaldo - O Desamparo humano e sua relação com o medo, o abandono e ainda, as patologias como o pânico e as depressões


* Dr. Antonio Jaldo Nascimento Santos

Os afetos como o medo, a solidão e o abandono, instauram-se no sujeito ate mesmo em forma de terror e de pânico, quando o sujeito em qualquer situação da vida, vê-se confrontado com a sua própria condição de desamparo originário. Algo lhe indica, sinaliza-lhe, que o lugar onde esperava encontrar a presença concreta de um fiador da estabilidade de seu mundo, está fundamentalmente vazio. Nestes momentos, o desamparo é sem limite, parece estar em todo lugar e em todo momento. 

Mas então, de que desamparo estamos falando e, principalmente, onde podemos localizá-lo na existência do sujeito? Ele é o núcleo, a significação da situação de perigo e situa-se no centro da angústia e dos afetos como a solidão, o abandono e, ainda, de formações psicopatológica como a síndrome do pânico e de muitas formas de depressão. 

A condição de desamparo humano é vista na concepção psicanalítica, desde sua formulação inicial, sob a perspectiva do estado de impotência psicomotora do bebê até reencontrá-lo, mais tarde, à base do desespero do homem, quando confrontado à precariedade de sua existência e que o leva à criação de deuses onipotentes, supostamente capazes de controlar de modo benfazejo as potências do universo. 

O estado de desamparo humano está sempre ligado e tem como referência a condição de dependência do bebê e, este estado de impotência primitiva torna-se cada vez mais um protótipo visualizável de um desamparo, que permanece durante toda a vida adulta. Descobre-se ainda, que o desamparo situa-se também em um lugar onde, como diz
Lacan, “ O homem nesta relação consigo mesmo que é a sua própria
morte, não poderá esperar ajuda de ninguém”. 

O que estou tentando dizer é que a angústia constitui uma modalidade particular de confrontação do sujeito com o seu desamparo originário. Os deuses, os grandes condutores das massas e, em uma relação mais pessoal e íntima, na infância, nossos pais e, mais tarde, nossos amores, ocupam esse lugar insuportavelmente vazio da falta de garantias. 

É então, evidente a intensa dependência que temos do outro, tanto para sobreviver – no início da vida – como para nos desenvolvermos e nos relacionarmos. É através do outro que o sujeito constitui o seu próprio eu, por isso, por exemplo, a importância do amor e da generosidade de uma mãe, que nos olha, lá no princípio, e nos presenteia com uma imagem de si mesmo, que nos permite durante toda a nossa vida gostarmos de nós mesmos. É claro que isso não significa uma auto-suficiência, e sempre vamos precisar do outro, de uma forma ou de outra, pois é através dele que nos reconhecemos. Não existe um ser dentro de nós, uma identidade que nos identifica e que basta acioná-la, para termos acesso garantido de quem somos, de nossas características e isso nos basta para termos uma certeza absoluta de nosso ser. O outro sempre funciona como na origem, como um espelho que reflete nossa imagem e nosso eu. É através dele que nos sentimos reconhecidos e amados. 

Mas, por uma razão ou outra, entre um amor e outro, em nossos momentos de solidão, ou em momentos em que somos olhados e tratados agressivamente e/ou com indiferença pelo outro, temos que ter um olhar estruturante em nós, que nos permita estar só, sem uma dependência imediata do “outro”, cuja ausência podemos sentir como devastadora e desesperadora. 

Portanto, se por um lado o desamparo é uma condição fundadora da existência humana, pois só é possível se humanizar na relação com o outro, por outro lado, essa dependência ao outro pode se tornar tão grande, que anulamos, desvalorizamos e humilhamos o nosso próprio eu em prol do outro e, em consequência disso deixamos pra lá o nosso próprio desejo, nossas escolhas e nosso olhar em prol de outras pessoas. 

Ficamos alienados de nós mesmos, de forma, que, em momentos de solidão somos tomados por angústia, quando aquilo que está oculto em nós, que negamos pelo outro, pode implodir. 

Nas paixões e nas rupturas amorosas, é justamente isso o que vemos: o sujeito idealiza tanto o outro, que ele se torna o grande Outro. Quero dizer, somente ele serve para lhe reconhecer, lhe amar e preencher os seus vazios existenciais. Isso é uma relação neurótica, por excelência. Na minha opinião, é justamente aí que a condição de desamparo, necessária às relações humanas, deslizam do status do amor e viram uma neurose. 

Essa é a questão: ficar sozinho não é fácil, pois impõe a companhia de si mesmo. A angústia, a solidão e o sentimento de abandono não advém somente do estado de estar só, mas das fantasias que as povoam: das culpas, dos ressentimentos, do medo de não conseguir alcançar o ideal que impomos a nós mesmos. 

A solidão não é algo que podemos escolher ou abandonar: somos solitários. Afinal, cada um é único e não é possível dividir com outra pessoa, de forma plena, todas as sensações, percepções e transformações internas que sentimos. 

Sentimos com o nosso próprio corpo e nossa história de vida, e é através desse corpo e dessa história que percebemos e interagimos com o mundo, de forma muito singular. O outro não sou eu: isso as vezes é insuportável, pois significa que temos que carregar o peso de nossa própria existência, sozinhos. Nossos limites e nossas faltas nos pertence, são de nossa própria responsabilidade e não do outro. A densidade desse peso pode nos tornar leve e é isso o que Kundera descreve com o seu trabalho “A insustentável leveza do ser”. Desse peso podemos construir algo suportável e até muito agradável, ou podemos senti-lo como um fardo que temos que carregar a vida toda. 

O prazer e a alegria também podem ser extraídos da solidão e isso ocorre quando possuímos um mundo interno povoado, rico em palavras e em boas lembranças; um grande mundo simbólico que nos fortalece, por meio do qual podemos compreender e amar parte de nossa história. Assim, quando a sós, podemos brincar com nossa faltas, por que não estamos verdadeiramente sozinhos, mas na companhia dos afetos de muitas pessoas que passaram por nossa vida. Podemos construir diálogos de nossa história com o mundo ( por exemplo, com a literatura, a música, o cinema e etc). 

Ao contrário do que se pensa, só é possível estar verdadeiramente com o outro, quando se sabe estar só. 

Como saber amar o outro e até se separar dele, se necessário for, se não se ama a própria história? Como ver e respeitar o outro em sua diferença e até mesmo poder perceber que ele, na maioria das vezes, não é, nem tem o que se quer dele, se não podemos vê-lo separado de nós mesmos, em sua individualidade e nós, na nossa? O grande problema do amor é que, através dele, na maioria das vezes, queremos unir, estabelecer, ou melhor, restabelecer uma união simbiótica que na verdade nunca tivemos, apenas criamos de forma mítica para dar conta de nossas angústias.

Como já disse antes, a solidão, a angústia, o abandono e muitas formas de patologias psíquicas como as depressões, a síndrome do pânico etc., surgem com muita frequência por ocasião de um rompimento amoroso ou ainda, em situações que possam significar uma separação ou perda, até mesmo naquilo que se refere à perda de nosso próprio ideal. Nesses casos, a perda do objeto desejado ou amado, assemelha-se à perda de partes de nós mesmos, impedindo assim a supressão da dor, na medida em que partes do nosso eu está ilusoriamente com o outro. 

Vou terminar, citando Ovídio em “Metamorfoses”: 

“O objeto do teu amor não existe
A sombra que vês é o reflexo da tua imagem
Ela não é nada em si, é de ti que ela surgiu,
E é em ti que ela persiste.
Tua partida a haveria de dissipar,
Se tivesses a coragem de partir.

* Dr. Antonio Jaldo Nascimento Santos é Psicanalista renomado e radicado em Brasília. É barra-cordense e filho do saudoso Jaldo Santos

Um comentário:

  1. Dr. Jaldo, o senhor não sabe o tanto que me ajudou a leitura do seu texto.

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