
O deputado Zé Carlos do PT fez uso da tribuna, na manhã desta
terça-feira (20/11), para ler na íntegra a nota da Executiva Nacional do
PT sobre o julgamento da Ação Penal 470.
Ele concluiu a sua fala parafraseando a presidenta Dilma, dizendo que
“Ninguém neste mundo de Deus está isento de cometer erros, nem imune às
paixões humanas, nem mesmo ao próprio Supremo Tribunal Federal”.
Leia, a seguir, o documento aprovado na
última quarta-feira (14/11), durante a reunião da Comissão Executiva
Nacional do PT, em São Paulo.
O PT E O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470
O PT, amparado no princípio da liberdade de expressão, critica e
torna pública sua discordância da decisão do Supremo Tribunal Federal
que, no julgamento da Ação Penal 470, condenou e imputou penas
desproporcionais a alguns de seus filiados.
1. O STF não garantiu o amplo direito de defesa
O STF negou aos réus que não tinham direito ao foro especial a
possibilidade de recorrer a instâncias inferiores da Justiça.
Suprimiu-lhes, portanto, a plenitude do direito de defesa, que é um
direito fundamental da cidadania internacionalmente consagrado.
A Constituição estabelece, no artigo 102, que apenas o
presidente, o vice-presidente da República, os membros do Congresso
Nacional, os próprios ministros do STF e o Procurador Geral da República
podem ser processados e julgados exclusivamente pela Suprema Corte. E,
também, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os
ministros de Estado, os comandantes das três Armas, os membros dos
Tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de
missão diplomática em caráter permanente.
Foi por esta razão que o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, logo
no início do julgamento, pediu o desmembramento do processo. O que foi
negado pelo STF, muito embora tenha decidido em sentido contrário no
caso do “mensalão do PSDB” de Minas Gerais.
Ou seja: dois pesos, duas medidas; situações idênticas tratadas desigualmente.
Vale lembrar, finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o STF
votou pelo desmembramento de processos, para que pessoas sem foro
privilegiado fossem julgadas pela primeira instância – todas elas
posteriores à decisão de julgar a Ação Penal 470 de uma só vez.
Por isso mesmo, o PT considera legítimo e coerente, do ponto de
vista legal, que os réus agora condenados pelo STF recorram a todos os
meios jurídicos para se defenderem.
2. O STF deu valor de prova a indícios
Parte do STF decidiu pelas condenações, mesmo não havendo provas
no processo. O julgamento não foi isento, de acordo com os autos e à luz
das provas. Ao contrário, foi influenciado por um discurso paralelo e
desenvolveu-se de forma “pouco ortodoxa” (segundo as palavras de um
ministro do STF). Houve flexibilização do uso de provas, transferência
do ônus da prova aos réus, presunções, ilações, deduções, inferências e a
transformação de indícios em provas.
À falta de elementos objetivos na denúncia, deducões, ilações e
conjecturas preencheram as lacunas probatórias – fato grave sobretudo
quando se trata de ação penal, que pode condenar pessoas à privação de
liberdade. Como se sabe, indícios apontam simplesmente possibilidades,
nunca certezas capazes de fundamentar o livre convencimento motivado do
julgador. Indícios nada mais são que sugestões, nunca evidências ou
provas cabais.
Cabe à acusação apresentar, para se desincumbir de seu ônus
processual, provas do que alega e, assim, obter a condenação de quem
quer que seja. No caso em questão, imputou-se aos réus a obrigação de
provar sua inocência ou comprovar álibis em sua defesa - papel que
competiria ao acusador. A Suprema Corte inverteu, portanto, o ônus da
prova.
3. O domínio funcional do fato não dispensa provas
O STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha
nazista, em 1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria e considerada
superada por diversos juristas. Segundo esta doutrina, considera-se
autor não apenas quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter,
devido a sua função, capacidade de decisão sobre sua realização. Isto é,
a improbabilidade de desconhecimento do crime seria suficiente para a
condenação.
Ao lançarem mão da teoria do domínio funcional do fato, os
ministros inferiram que o ex-ministro José Dirceu, pela posição de
influência que ocupava, poderia ser condenado, mesmo sem provarem que
participou diretamente dos fatos apontados como crimes. Ou que, tendo
conhecimento deles, não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se
consumassem. Expressão-síntese da doutrina foi verbalizada pelo
presidente do STF, quando indagou não se o réu tinha conhecimento dos
fatos, mas se o réu “tinha como não saber”...
Ao admitir o ato de ofício presumido e adotar a teoria do direito
do fato como responsabilidade objetiva, o STF cria um precedente
perigoso: o de alguém ser condenado pelo que é, e não pelo que teria
feito.
Trata-se de uma interpretação da lei moldada unicamente para
atender a conveniência de condenar pessoas específicas e, indiretamente,
atingir o partido a que estão vinculadas.
4. O risco da insegurança jurídica
As decisões do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do
garantismo, o rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de
presunção de culpa em vez de inocência. E, ao inovar que a lavagem de
dinheiro independe de crime antecedente, bem como ao concluir que houve
compra de votos de parlamentares, o STF instaurou um clima de
insegurança jurídica no País.
Pairam dúvidas se o novo paradigma se repetirá em outros
julgamentos, ou, ainda, se os juízes de primeira instância e os
tribunais seguirão a mesma trilha da Suprema Corte.
Doravante, juízes inescrupulosos, ou vinculados a interesses de
qualquer espécie nas comarcas em que atuam poderão valer-se de provas
indiciárias ou da teoria do domínio do fato para condenar desafetos ou
inimigos políticos de caciques partidários locais.
Quanto à suposta compra de votos, cuja mácula
comprometeria até mesmo emendas constitucionais, como as das reformas
tributária e previdenciária, já estão em andamento ações diretas de
inconstitucionalidade, movidas por sindicatos e pessoas físicas, com o
intuito de fulminar as ditas mudanças na Carta Magna.
Ao instaurar-se a insegurança jurídica, não perdem apenas os que
foram injustiçados no curso da Ação Penal 470. Perde a sociedade, que
fica exposta a casuísmos e decisões de ocasião. Perde, enfim, o próprio
Estado Democrático de Direito.
5. O STF fez um julgamento político
Sob intensa pressão da mídia conservadora - cujos veículos
cumprem um papel de oposição ao governo e propagam a repulsa de uma
certa elite ao PT - ministros do STF confirmaram condenações anunciadas,
anteciparam votos à imprensa, pronunciaram-se fora dos autos e, por
fim, imiscuiram-se em áreas reservadas ao Legislativo e ao Executivo,
ferindo assim a independência entre os poderes.
Único dos poderes da República cujos integrantes independem do
voto popular e detêm mandato vitalício até completarem 70 anos, o
Supremo Tribunal Federal - assim como os demais poderes e todos os
tribunais daqui e do exterior - faz política. E o fez, claramente, ao
julgar a Ação Penal 470.
Fez política ao definir o calendário convenientemente coincidente
com as eleições. Fez política ao recusar o desmembramento da ação e ao
escolher a teoria do domínio do fato para compensar a escassez de
provas.
Contrariamente a sua natureza, de corte constitucional
contra-majoritária, o STF, ao deixar-se contaminar pela pressão de
certos meios de comunicação e sem distanciar-se do processo político
eleitoral, não assegurou-se a necessária isenção que deveria pautar seus
julgamentos.
No STF, venceram as posições políticas ideológicas, muito bem
representadas pela mídia conservadora neste episódio: a maioria dos
ministros transformou delitos eleitorais em delitos de Estado (desvio de
dinheiro público e compra de votos).
Embora realizado nos marcos do Estado Democrático de Direito sob o
qual vivemos, o julgamento, nitidamente político, desrespeitou
garantias constitucionais para retratar processos de corrupção à revelia
de provas, condenar os réus e tentar criminalizar o PT. Assim
orientado, o julgamento convergiu para produzir dois resultados:
condenar os réus, em vários casos sem que houvesse provas nos autos,
mas, principalmente, condenar alguns pela “compra de votos” para, desta
forma, tentar criminalizar o PT.
Dezenas de testemunhas juramentadas acabaram simplesmente
desprezadas. Inúmeras contraprovas não foram sequer objeto de análise. E
inúmeras jurisprudências terminaram alteradas para servir aos objetivos
da condenação.
Alguns ministros procuraram adequar a realidade à denúncia do
Procurador Geral, supostamente por ouvir o chamado clamor da opinião
pública, muito embora ele só se fizesse presente na mídia de direita,
menos preocupada com a moralidade pública do que em tentar manchar a
imagem histórica do governo Lula, como se quisesse matá-lo
politicamente. O procurador não escondeu seu viés de parcialidade ao
afirmar que seria positivo se o julgamento interferisse no resultado das
eleições.
A luta pela Justiça continua
O PT envidará todos os esforços para que a partidarização do
Judiciário, evidente no julgamento da Ação Penal 470, seja contida.
Erros e ilegalidades que tenham sido cometidos por filiados do partido
no âmbito de um sistema eleitoral inconsistente - que o PT luta para
transformar através do projeto de reforma política em tramitação no
Congresso Nacional - não justificam que o poder político da toga
suplante a força da lei e dos poderes que emanam do povo.
Na trajetória do PT, que nasceu lutando pela democracia no
Brasil, muitos foram os obstáculos que tivemos de transpor até nos
convertermos no partido de maior preferência dos brasileiros. No partido
que elegeu um operário duas vezes presidente da República e a primeira
mulher como suprema mandatária. Ambos, Lula e Dilma, gozam de ampla
aprovação em todos os setores da sociedade, pelas profundas
transformações que têm promovido, principalmente nas condições de vida
dos mais pobres.
A despeito das campanhas de ódio e preconceito, Lula e Dilma
elevaram o Brasil a um novo estágio: 28 milhões de pessoas deixaram a
miséria extrema e 40 milhões ascenderam socialmente.
Abriram-se novas oportunidades para todos, o Brasil tornou-se a
6a.economia do mundo e é respeitado internacionalmente, nada mais
devendo a ninguém.
Tanto quanto fizemos antes do início do julgamento, o PT reafirma
sua convicção de que não houve compra de votos no Congresso Nacional,
nem tampouco o pagamento de mesada a parlamentares. Reafirmamos, também,
que não houve, da parte de petistas denunciados, utilização de recursos
públicos, nem apropriação privada e pessoal.
Ao mesmo tempo, reiteramos as resoluções de nosso Congresso
Nacional, acerca de erros políticos cometidos coletiva ou
individualmente.
É com esta postura equilibrada e serena que o PT não se deixa
intimidar pelos que clamam pelo linchamento moral de companheiros
injustamente condenados. Nosso partido terá forças para vencer mais este
desafio. Continuaremos a lutar por uma profunda reforma do sistema
político - o que inclui o financiamento público das campanhas eleitorais
- e pela maior democratização do Estado, o que envolve constante
disputa popular contra arbitrariedades como as perpetradas no julgamento
da Ação Penal 470, em relação às quais não pouparemos esforços para que
sejam revistas e corrigidas.
Conclamamos nossa militância a mobilizar-se em defesa do PT e de
nossas bandeiras; a tornar o partido cada vez mais democrático e
vinculado às lutas sociais. Um partido cada vez mais comprometido com as
transformações em favor da igualdade e da liberdade.
São Paulo, 14 de novembro de 2012.
Comissão Executiva Nacional do PT.
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