Há
colocações falsas que, de tão repetidas, são absorvidas, até inconscientemente,
como verdadeiras. Uma dessas colocações equivocadas é, a meu ver, a de que
teríamos chegado ao fim das utopias. Tratei deste tema num livro meu – Direito
e Utopia, livro este que está, no momento, esgotado.
Em defesa
da tese de que as utopias acabaram, vários argumentos são apresentados: a) a
União Soviética ruiu, o Socialismo é coisa do passado; b) a ineficiência da
máquina pública é evidente, avançam as privatizações, a economia de mercado
triunfou; c) Jesus casou com Maria Madalena e teve um filho, a Fé Cristã
naufragou; d) a competição é a senha do progresso, só esta via pode libertar o
homem dos mitos que o aprisionam; e) a felicidade de um povo mede-se pelos seus
níveis de consumo.
Essas
mentiras, afirmadas em várias línguas, difundidas por sofisticados aparelhos de
dominação social, acabam por se tornar dogmas.
As
afirmações colocadas acima são inteiramente falsas.
O que caiu
foi apenas um modelo de Socialismo, o Socialismo autoritário que, em parte,
resultou da pressão dos países capitalistas, pois estes encurralaram a União
Soviética tornando muito difícil a experiência de um Socialismo democrático
naquele país. O Socialismo está vivo e é a promessa do amanhã. O que está nos
últimos estertores é o Capitalismo, que esmaga o ser humano e tem na prática da
guerra o seu pressuposto e a sua lógica.
A
condenação em bloco da máquina pública como ineficiente é falsa. Há instituições
públicas e instituições privadas de excelente qualidade, da mesma forma que há
instituições péssimas nos dois modelos.
Jesus
Cristo permanece como Luz do Mundo, horizonte para milhões de pessoas.
Interesses mesquinhos pretendem o fim do Cristianismo porque a vivência do
Cristianismo, nas suas últimas consequências, criará uma sociedade oposta à
sociedade hoje dominante.
A
competição gera um progresso conflitivo e desumano. A cooperação é que pode
produzir o verdadeiro progresso, em benefício de todos e não apenas em proveito
de alguns.
A
felicidade de um povo mede-se por indicadores muito mais profundos do que o
simples consumo, ainda mais esse consumo que alcança somente uma fração do
povo.
A utopia,
no seu sentido filosófico e político, não é um sonho, uma quimera, conforme o
sentido que às vezes é atribuído a esta palavra.
O termo
“utopia”, em grego, significa “que não existe em nenhum lugar”, ou
tentando explicar com outros vocábulos o conceito que a velha Grécia nos legou.
A utopia é a representação daquilo que não existe ainda, mas
que poderá existir se lutarmos por sua concretização.
A utopia
é assim um “projeto de futuro”. A utopia quer construir um mundo diferente
deste que aí está.
Sempre
foi a utopia que moveu a História. Todos os grandes avanços da Humanidade
nasceram da utopia.
Tomás
Morus, Campanella, Marx, Teilhard de Chardin, Kierkegaard, Gabriel Marcel,
Ernest Bloch, Roger Geraudy, Martin Luther King, Che Guevara, Hélder Câmara foram
alguns dos grandes utopistas que alimentaram a caminhada dos homens na busca de
uma existência compatível com sua suprema dignidade.
Foi o
pensamento utópico que levou Frei Caneca à morte: sonhador de um
mundo igual para todos. Foi nutrido de sua seiva que Oswald de Andrade defendeu
o poder revolucionário da imaginação. Foi com base nele que Niemeyer
pôs em arquitetura o seu projeto de uma cidade humana, projeto aniquilado pelas
estruturas envolventes, pois é impossível uma cidade humana dentro de uma
sociedade fundada no lucro, na discriminação, na desigualdade.
Dizer que
a utopia morreu é assinar carta de abdicação à face das forças poderosas que
comandam este mundo.
A utopia
está viva. É preciso alimentá-la com a nossa Fé, em todos os espaços sociais
onde possamos atuar. O desafio não é apenas construir a utopia na organização
do mundo, mas construir também a utopia em nosso país, em nosso Estado, em
nosso município, em nosso bairro, em nosso local de trabalho. Construir a
utopia com nossa ação, nossa palavra, nosso testemunho. Compreender que a
edificação da utopia não é obra de uma só geração. Temos de fazer o que cabe ao
nosso tempo e transmitir aos que venham depois de nós a tarefa de continuar o
caminho.
Dr. João Baptista Herkenhoff é Juiz
de Direito aposentado (ES), um
dos fundadores e primeiro presidente da Comissão de Justiça e Paz
da Arquidiocese de Vitória e colaborador do Blog Barradocordanews.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário