El País – A eleição de Jair Bolsonaro acendeu um alerta no grupo de governadores do Nordeste, região onde o militar reformado perdeu para o petista Fernando Haddad. A partir de janeiro do ano que vem, os nove Estados da região estarão governados ou pelo PT ou por partidos aliados, como o PSB e o PCdoB, representando a única região totalmente sob o Governo de siglas da oposição ao novo presidente. O cenário distinto ao do restante do país, onde Bolsonaro venceu, causou preocupação entre os políticos locais, que decidiram que a região deve atuar em bloco e não individualmente, para dar maior musculatura às demandas regionais.
Logo após o resultado da eleição, alguns
governadores manifestaram publicamente a preocupação de serem deixados
de escanteio. Com isso, poderiam perder verbas do Governo federal para
programas e projetos em seus Estados. “Finalizada a eleição, externo
aqui o meu desejo de que o presidente eleito, respeitando os princípios
da democracia, dialogue com todos os Estados, com respeito e sem
discriminação, e busque a solução dos problemas que afligem o país”,
escreveu o petista Camilo Santana, do Ceará, em seu Facebook.
A preocupação tomou conta também de um
grupo de WhatsApp, formado por todos governadores do Nordeste. Além de
Santana, no Ceará, ele inclui Rui Costa (PT), da Bahia, Paulo Câmara
(PSB), de Pernambuco, Wellington Dias (PT), do Piauí, Flávio Dino
(PCdoB), do Maranhão. Fátima Bezerra (PT), do Rio Grande do Norte,
Belivaldo Chagas (PSD), de Sergipe, João Azevêdo (PSB), da Paraíba, e
Renan Filho (MDB). O acordo firmado entre eles até o momento foi de
aguardar o anúncio da nova equipe ministerial para, então, marcar uma
reunião presencial e deliberar as ações. A expectativa gira em torno do
perfil dos novos ministros: se serão em maior parte militares, ou se
haverá uma composição com membros dos partidos que formam o centrão.
Esse grupo havia sido formado em maio
deste ano. Naquele mês, todos os governadores do Nordeste se reuniram,
juntamente com o atual governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel
(PT), para deliberar as principais demandas da região. Da reunião, no
Palácio do Campo das Princesas, sede do governo pernambucano, saiu a
Carta do Recife, endereçada a Michel Temer, com 11 pontos considerados
importantes para a retomada do desenvolvimento nos Estados. Dentre eles,
a oposição à privatização da Eletrobras e da Companhia Hidrelétrica do
São Francisco, a Chesf.
Agora, o esforço é por fazer chegar até a
mesa de Bolsonaro uma pauta mais enxuta, priorizando três temas mais
urgentes: água, segurança pública e saúde. Em relação à água, tema
sensível para a região que viveu nos últimos anos uma seca histórica, a
demanda é pela retomada das grandes obras que levam o abastecimento
oriundo da transposição do rio São Francisco até os moradores do
semiárido. No âmbito da saúde, os mandatários reivindicarão a revisão da
tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Os governadores pedirão aumento
na participação do Governo Federal nos repasses aos hospitais públicos
dos Estados. O tema é sensível, já que baterá de frente com a barreira
imposta pela PEC do teto de gastos, que limitou o crescimento dos
investimentos públicos pelos próximos 20 anos.
A mesma dificuldade pode ser imposta
pelas reivindicações na área de segurança pública. Aqui, além dos
problemas comuns a todos os Estados, como investimento no aumento do
efetivo policial e em sua remuneração, a região Nordeste tem uma questão
pontual: a realização de um trabalho de inteligência para desmontar
quadrilhas interestaduais especializadas na explosão de caixas
eletrônicos. Esse tipo de crime gera um efeito cascata que contribuiu
para o aumento dos índices de violência na região. Isso porque, em
muitas cidades, há apenas uma agência bancária. Com a explosão dos
caixas dessas agências, os clientes precisam se deslocar para as cidades
vizinhas para realizar saques e pagamentos. A circulação dessas pessoas
com altas quantias de dinheiro pelas estradas torna-se um alvo fácil de
assaltos e latrocínio.
Discutidas as principais questões da
região, o grupo deve marcar uma reunião presencial assim que os novos
ministros forem anunciados pelo presidente Jair Bolsonaro. A expectativa
é que demandas locais sejam apresentadas até mesmo antes da posse do
novo Governo, no dia 5 de janeiro.
Diálogo com os Estados
Nesta eleição, o Nordeste, repetindo os
pleitos anteriores, votou em peso no PT. Fernando Haddad obteve 69% dos
votos da região no segundo turno. Ainda assim, o partido perdeu em três
capitais: João Pessoa (PB), Natal (RN) e Maceió (AL), sendo nessa
última, onde Bolsonaro obteve o maior percentual de votos, 61%. Embora
Haddad tenha levado a maioria dos votos na região —20,3 milhões—, o
presidente eleito amealhou 8,8 milhões de eleitores. Durante a campanha,
muitas capitais nordestinas promoveram atos pró-Bolsonaro, e esse apoio
popular sustenta a teoria de que o novo presidente não deve virar as
costas para a região.
Sabendo da importância dos nordestinos
para sua eleição, Bolsonaro acenou para a população local algumas vezes
durante sua campanha. Para se aproximar de um público que historicamente
elege o PT, colocou o chapéu de couro, tradicional ornamento local, e
afirmou ser nordestino também, argumentando que o sogro nasceu no Ceará.
Em uma TV no Piauí, afirmou que acabaria com o “coitadismo” dos
nordestinos. Logo após o primeiro turno, em sua primeira entrevista, fez
um agradecimento especial aos eleitores do Nordeste. Na sequência,
lançou a proposta de 13º para o Bolsa Família, ideia claramente
direcionada aos eleitores da região, que abriga metade dos 14 milhões de
beneficiados pelo programa.
Porém, seu plano de Governo registrado no TSE trata pouco da região.
Menciona o Nordeste somente quando aborda a área de energia, ao afirmar
que é um local com “grande potencial de desenvolver fontes de energia
renovável, solar e eólica”.
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