“A acusada é multiplicadamente marginalizada:
por ser mulher, numa sociedade machista;
por ser pobre, cujo latifúndio são os sete
palmos de terra dos versos imortais do poeta;
por ser prostituta, desconsiderada pelos homens,
mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo;
por não ter saúde;
por estar grávida, santificada pelo feto que tem
dentro de si, mulher diante da qual este Juiz deveria se ajoelhar, numa homenagem
à maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo
cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia.
É uma dupla liberdade a que concedo neste
despacho: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do
ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da
palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para
lutar, sofrer e sobreviver.
Quando tanta gente foge da maternidade;
quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e
sem discernimento, são esterilizadas;
quando se deve afirmar ao Mundo que os seres têm
direito à vida, que é preciso distribuir melhor os bens da Terra e não reduzir
os comensais;
quando, por motivo de conforto ou até mesmo por
motivos fúteis, mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum,
com o feto que traz dentro de si.
Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria
todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna
deste Fórum sob prisão.
Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com
seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a
esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.
Expeça-se incontinenti o alvará de soltura.“
João Baptista Herkenhoff é
magistrado aposentado (ES), palestrante, escritor e colaborador do Blog Barradocordanews. Seu mais recente livro foi A
Fé e os Direitos Humanos (Editora Porto de Ideias, SP, 2016).
A decisão acima transcrita foi
proferida em nove de agosto de 1978.
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