© João Bertholini/CLAUDIA |
“Naquele
domingo, voltávamos da praia, onde passamos o fim de semana em
companhia da minha sogra, da minha mãe e do marido dela. Eram 10 da
noite quando, já em São Paulo, estacionamos em frente à casa da minha
mãe. Algumas pessoas saíam de um culto em uma pequena igreja, a cerca de
300 metros do local onde paramos. Ela e meu padrasto desceram do carro,
assim como Roni, meu marido, que foi retirar a bagagem deles do porta-malas.
Fiquei sentada no banco do passageiro, segurando a Cacau, nossa cachorrinha. E foi dali que os vi passar lentamente, quatro rapazes que ocupavam um Gol.
Senti um arrepio imediato, pressentindo algo ruim, mas eles seguiram
até o fim da rua e entendi que tinham ido embora, então me acalmei. Só
que eu estava errada. Ou melhor, certa em meu pressentimento.
Em poucos minutos, três deles caminharam em nossa direção anunciando o
assalto, um deles armado. Roni, ainda debruçado no porta-malas, não
percebeu a ação de imediato. Quando se deu conta, quis tentar acalmar os
criminosos. Ele então caminhou até a frente do carro e perguntou o que
estava havendo. Alto e forte, dono de um físico de atleta, já que era
paraquedista profissional, talvez os tenha assustado.
A princípio,
todos correram. Porém, inexplicavelmente o bandido que estava armado se
voltou para nós. E, ainda que ninguém tenha reagido, ele mirou o peito
do meu marido e atirou. Roni caiu na calçada. Tentou levantar, caiu de
novo, levantou mais uma vez, alcançou o carro e me pediu que o levasse
para o hospital.
Continue lendo a notícia...
Começavam as piores horas da minha vida. Com meu
marido morrendo no banco de trás, dirigi alucinadamente. Subi em
calçadas, buzinava e gritava desesperada para que abrissem o caminho.
Acabei cruzando com uma viatura policial, que me escoltou para completar
o trajeto. Chegando ao hospital, uma equipe de emergência já nos
aguardava na porta e Roni foi socorrido muito rapidamente, o que me deu
alguma esperança. Fiquei paralisada, agarrada à Cacau, vendo a maca ir,
completamente ensanguentada. Não sabia que aquela seria a última vez em
que o veria vivo.
Na mesma noite, um dos assaltantes foi preso.
Apesar de ainda estar em choque, tomei um banho rápido e segui para a
delegacia horas depois da ocorrência para reconhecer o bandido capturado
e seus comparsas, cujo nome ele entregou – todos, aliás, já conhecidos
na delegacia por passagens anteriores. Ao olhar para aquele homem, me
desesperei. Esmurrei o vidro que nos separava com tanta força que
machuquei o ombro.
Mais
calma, fui conduzida a um computador onde me mostraram os outros três
suspeitos em uma rede social. Sim, o assassino do meu marido estava ali,
com um perfil ativo no Facebook, rede social na qual, entre um crime e
outro, postava como qualquer pessoa. Os temas mais frequentes diziam
respeito à filha pequena, família e religião, o que me deixou ainda mais
revoltada. Contudo, encarei as pistas com otimismo. Na minha cabeça,
estando online e dando tanta bandeira, logo todos seriam capturados.
Decidi que não ia descansar enquanto isso não acontecesse.
Nos
dias que se seguiram, minha rotina se resumiu ao trajeto casa, trabalho,
delegacia. Além disso, por conta própria, passei a monitorar os três
bandidos no Facebook. Compartilhava cada novidade com a polícia. Porém,
depois de encaminhar o inquérito e o pedido de prisão preventiva dos
suspeitos ao Ministério Público, a delegacia onde o caso foi registrado
alegou que não poderia fazer nada mais.
Tentei argumentar, lembrei
que era possível localizá-los, que eles já até tinham cometido outros
crimes depois daquele que vitimou meu marido. Entre justificativas
diversas, como falta de contingente ou mesmo de policiais treinados para
aquele tipo de captura, a resposta seguiu negativa, não poderiam fazer
mais nada.
Eu não conseguia me conformar e, enquanto pensava em
como sensibilizar novamente os policiais, continuei minha investigação
paralela, tendo apenas a Cacau como companhia e testemunha. Ao longo de
pouco mais de quatro meses, monitorei absolutamente tudo que cada um dos
bandidos havia postado a partir do dia 20 de janeiro, quando o crime
ocorreu. Também concedi algumas entrevistas, e, com isso, pessoas da
comunidade onde eles viviam começaram a me procurar no Facebook. Eu
tinha medo de interagir, mas, com a ajuda de uma irmã do Roni – a única
que sabia que eu seguia acompanhando os suspeitos –, obtive até os
contatos de WhatsApp de parentes do assassino. Montei um dossiê
completo.
Em meio a tudo isso, resolvi fazer krav magá
(técnica israelense de luta e defesa pessoal) para desestressar. Não
estava pronta para retomar a vida social, mas precisava de uma válvula
de escape, em um ambiente em que minha história fosse desconhecida.
Certo dia, a única amiga que fiz na aula perguntou se eu era casada, se
tinha filhos. Acabei contando que havia ficado viúva fazia pouco tempo.
Para minha surpresa, estava diante da promotora de justiça Cintia Marangoni,
que se interessou em saber como estava o caso e, mais do que isso, em
me ajudar a procurar ajuda de outra delegacia para resolvê-lo.
Cerca de uma semana mais tarde, eu pisava pela primeira vez no Departamento de Capturas e Delegacias Especializadas.
Foram quatro horas e meia de conversas, relembrando o dia que eu tanto
queria esquecer, esmiuçando os detalhes da minha apuração solitária.
Escutei finalmente o que tanto esperava. A delegada Ivalda Aleixo me afirmou categoricamente que, a partir daquele minuto, prender o assassino do meu marido e seus cúmplices era prioridade.
Em
uma terça-feira, pouco mais de dez dias depois da conversa, a palavra
da delegada Ivalda se cumpriu. Acordei por volta das 6 da manhã com a
mensagem dela: ‘Fique tranquila, todos presos’. Com base em meu dossiê, o
trabalho de inteligência do departamento encontrou os suspeitos em um
barraco onde se escondiam, bancados pela irmã do homem que atirou no
Roni.
Eufórica, mal conseguia acreditar que aquele dia tinha
chegado. Liguei para minha cunhada, para o filho do Roni e para alguns
amigos. Em seguida, fui para a delegacia. Precisava olhar na cara do
assassino. Diferentemente do encontro com o primeiro bandido preso,
neste eu estava tranquila, com a sensação de que a justiça enfim
chegara.
Familiares e amigos só tomaram conhecimento da minha
odisseia no dia da captura. E, claro, muitos me chamaram de louca por me
arriscar tanto. O que ninguém entendeu foi que eu jamais tive escolha.
Não poderia seguir sem justiça, sem fazer pelo Roni o que ele com
certeza faria por mim.
A prisão dos criminosos não trouxe meu
marido de volta, mas devolveu a tranquilidade da minha sogra, a minha
dignidade e a minha vida. No domingo seguinte, consegui mexer nas coisas
dele. Estava tudo exatamente do jeito que Roni deixou quando saímos
para viajar sem saber que ele não voltaria. Tomei coragem, uns goles de
vinho e disse a mim mesma que era hora de permitir que ele partisse em
paz, tendo a certeza de que também seria capaz de continuar.”
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