Boston (EUA) – O governador do Maranhão,
Flávio Dino (PCdoB), disse em entrevista ao Metrópoles, em Boston
(Massachussets), que a possibilidade de aprovação da reforma da Previdência na
Câmara e no Senado, do jeito que está, é “próxima de zero”.
Para Dino, seria preciso tirar da mesa as
“propostas antissociais” para que a reforma tenha algum encaminhamento. Ele
considera que o governo cria muita tensão com o Congresso, gerando um “vazio
institucional”. Sua avaliação sobre o começo da gestão de Jair Bolsonaro (PSL)
é de “100 dias perdidos”, num momento especialmente grave de recessão e
desemprego.
O governador, que foi juiz e deputado
federal antes de assumir o Executivo maranhense, em 2015, também criticou o
pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública,
Sergio Moro. “É um equívoco monumental”, afirmou.
Dino foi convidado para falar na Brazil
Conference sobre o sistema carcerário brasileiro. Ele apresentou o caso do
Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís (MA), onde eram comuns os
assassinatos de detentos por outros presos. Em 2014, 60 mortes violentas de
internos do local foram registradas. Número que caiu para três, no ano passado.
“Ainda está longe do ideal, mas amenizamos
o caos que encontramos”, disse o governador. A melhora nos índices foi obtida
com um aumento de 50% nos gastos com o sistema carcerário, busca de
alternativas penais (como a expansão do uso de tornozeleiras eletrônicas) e,
principalmente, segundo Flávio Dino, aumentando o número de presos que estudam
e trabalham. Eram mil detentos estudando ou trabalhando em 2014. Hoje, são 6
mil, ou seja, mais da metade dos 11 mil internos do complexo penitenciário do
estado (a média nacional é de 15% de presos ocupados).
Veja
a seguir, os principais trechos da entrevista de Flávio Dino ao Metrópoles.
Qual
sua avaliação desses primeiros 100 dias do governo Bolsonaro?
É um governo de muitos desacertos, tanto
no conteúdo quanto na forma. Um governo que faz poucas opções claras e as
poucas que faz estão erradas no conteúdo, são transmitidas e processadas de
modo equivocado. Isso se refere, por exemplo, à relação difícil e conflituosa
que o governo mantém com o Congresso. O principal traço desses 100 dias da
gestão Bolsonaro é de um governo que cria muita confusão para si próprio, que é
um antítese do papel Executivo. O governo, normalmente, pactua, dialoga, amplia
para ter capacidade de concretizar as suas metas. Foram 100 dias perdidos para
o Brasil num momento de tantas urgências, principalmente num momento de
recessão e desemprego.
Falando
na dificuldade de articulação com o Congresso, a reforma da Previdência vai
andar? Há alguma possibilidade de pactuação em torno da reforma, pontos que
podem ser retirados e outros que podem ser mantidos, com o propósito de se
pactuar alguma revisão do sistema previdenciário? Qual a posição da frente
formada pelos governadores do Nordeste?
Nós, governadores do Nordeste, de modo
unânime, temos alertado para o fato de que o encaminhamento para um tema
necessário, que é a reforma da Previdência, está malfeito. Apresentaram uma
série de arestas que são inaceitáveis e dificultam a tramitação do conjunto da
proposta. Nós alertamos, especialmente, para o equívoco da ideia do regime de
capitalização, que só interessa aos mais ricos.
É incompatível imaginar, num país desigual
como o Brasil, que o cidadão que vive com um salário mínimo vai ter poupança
para contribuir para um sistema de previdência privada. Portanto, isso
aprofundaria a desigualdade social e geraria, no futuro, gravíssimos problemas
sociais, ainda mais agudos do que aqueles que nós vivemos, no momento de maior
fragilidade da vida da pessoa, por doença ou idade avançada.
Discordamos, portanto, desse conceito.
Assim como determinadas medidas que são contra os mais pobres, a exemplo do
Benefício de Prestação Continuada de R$ 400 e as regras impraticáveis com
relação aos trabalhadores rurais".
Consideramos que foi um excesso de
confiança do governo colocar tantos pontos nessa proposta e acabou contaminando
o ambiente. Então, só é possível, de fato, a reforma da Previdência ter algum
encaminhamento prático zerando esses pontos, garantindo que nós possamos ter um
debate real sobre as prioridades e tirando essas propostas antissociais da
mesa.
O
senhor acredita que a reforma não será aprovada?
Do jeito que está, a chance é próxima de
zero, não só pelo conteúdo, mas, sobretudo, pelo estado de tensão que o governo
cria no interior do Congresso. O atual governo colocou como meta, supostamente,
superar o chamado presidencialismo de coalizão, que [a atual gestão] chama de
velha política. O problema é que não colocou nada no lugar. Então,
supostamente, em nome de combater essa “velha política”, acaba gerando uma
anomia, um vazio institucional, que é o que estamos vivendo.
Veja o estado de fragilidade da base
parlamentar quando os ministros vão ao Congresso Nacional. Em todos os
governos, não era esse “Deus nos acuda” porque havia uma base parlamentar
sólida, que garantia um debate, no qual o governo poderia expor e defender as
suas posições. Então, nós temos muita precariedade. Do jeito que está – uma
reforma que depende de duas votações na Câmara, duas no Senado, cada uma com
três quintos, voto aberto e nominal, com esse conteúdo –, realmente a chance de
aprovação é próxima de zero.
O
senhor também criticou o pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça
e Segurança Pública, Sergio Moro, dizendo que ele segue a lógica do “prende e
arrebenta”, do ex-presidente Figueiredo (o último da ditadura militar). Por
quê?
É outro monumental equívoco. Ele parte do
diagnóstico correto, qual seja, o de que a violência e a criminalidade devem
ser combatidas, porém propõe remédios errados, demagógicos e populistas, como
essa ideia de que, aumentando a população carcerária no Brasil, você vai
diminuir a criminalidade.
O centro da proposta gira em torno de dois
eixos. O primeiro é legalizar coisas feitas no passado, a exemplo do desastrado
acordo internacional entre a Operação Lava Jato e o governo dos Estados Unidos,
para gerar aqueles R$ 2,5 bilhões para uma fundação. E, ao mesmo tempo, visa ao
endurecimento de penas de um modo geral, que não vai resolver nada. Estudos
internacionais e estatísticas mostram isso.
E essa agenda acaba ocupando o lugar da
agenda correta, que é a cooperação entre o governo federal e os estados, em
torno do conceito do sistema único de segurança pública e do Fundo Nacional de
Segurança Pública.
Aí, sim, você consegue garantir uma
polícia mais presente, mais eficiente, que dê respostas mais rápidas, que é o
desejo dos cidadãos. Eu tenho dito que esse pacote deve ser colocado em segundo
plano no Congresso e devem ser colocadas em primeiro saídas reais para a
segurança pública, sobretudo esse debate entre o governo federal e os
[governos] estaduais.
Site Metrópoles
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