Camila passou no exame da OAB antes de colar grau e é exemplo de foco nos estudos
O ser humano é capaz de tudo, inclusive na hora de superar obstáculos
e driblar as limitações. Com foco, persistência e dedicação, tudo é
possível. Um exemplo perfeito disso é a advogada Camila Hannah Marques,
de 24 anos. Completamente cega desde que nasceu, a moça passou no exame
da OAB antes mesmo de colar grau na sexta-feira (15).
Nascida em Teresina, a moça de presença doce e agradável mostra que
tem todas as ferramentas para conquistar o mundo. Ela mostra que o
Direito está muito além do que se vê. Está também no que se estuda,
aprende, interpreta e coloca na prática. Com experiência em Direito
Civil e administração pública, pois estagiou no Tribunal de Contas do
Estado (TCE-PI),
Camila agora trilha uma rotina de estudos para concursos.Como
estudante, a moça sempre mostrou competência. Para isso, teve o apoio da
Associação dos Cegos do Piauí, que acompanhou seu farto desenvolvimento
da educação infantil ao ensino superior, onde logrou o diploma de
bacharel em Direito através de uma importante faculdade particular da
capital.

Para NOSSA GENTE, Camila é mais que um exemplo. É um
modelo, uma inspiração e um grito de representatividade para todas as
pessoas com deficiência.
Jornal Meio Norte: Você sempre foi cega?
Camila Hannah Marques: Sim, tenho deficiência visual total. Nasci prematura de seis meses. Fui acometida pela retinopatia da prematuridade.
JMN: Quais foram as principais dificuldades para o estudo de alguém com baixa visão ou cego?
CHM: Uma das grandes dificuldades é o
custo dos materiais de estudo. É tudo muito caro para quem é cego. Os
papéis são caros, são específicos para isso. Além das dificuldades que
os professores encontram para preparar materiais de estudo. Temos falta
de acessibilidade, como a acessibilidade atitudinal. A acessibilidade
atitudinal é mais ampla, é se colocar no lugar do outro e perceber as
necessidades do outro. Assim é possível quebrar ou anular as barreiras
existentes. Outra questão que enfrentamos é a falta de livros. Os livros
em formato digital aumentaram, mas não temos esses livros na mesma
rapidez que os editados normalmente.
JMN: Você sempre foi uma boa aluna?
CHM: Dizem que sim. Minhas notas sempre
foram boas. Na época da escola eu fazia em braile, mas conforme a
evolução escolar eu comecei a adotar computadores e o apoio de ledores.
As provas foram ficando extensas então para passar para o braile era
complicado, pois gasta muito tempo e papel. Na Associação dos Cegos do
Piauí nós vivemos muitas dificuldades financeiras, além de material.
Apesar de termos o apoio do Governo do Estado e da Prefeitura Municipal
de Teresina, acabamos vivendo muito de doações da sociedade civil
organizada. Temos atendimento não só na escola, mas também em
restaurantes e outros espaços.

JMN: E qual foi o maior desafio da sua trajetória?
CHM: Em termos de dificuldades são muitas. Mas tive
bons momentos de aprendizado. Mas dos maiores desafios mesmo é a falta
de acessibilidade e incompreensões com relação às nossas necessidades.
JMN: Você chegou a sofrer algum tipo de preconceito?
CHM: O preconceito nem sempre é
prejudicial ou pejorativo. Às vezes é apenas uma ideia que você tem de
algo sem conhecer determinado assunto. Claro que já passei por situações
em que as pessoas não sabiam o tanto de capacidade que eu tinha ou
tenho. Passei por outras mais complicadas que precisei brigar para
resolver, ou mais tranquilas que consegui driblar. Acho que o maior
desafio foi de ser, de fato, incluída.
JMN: Existe, de fato, inclusão social?
CHM: Muito feito para a inclusão social,
mas ainda falta mais um bocado. É algo amplo. Inclusão é um tema
complexo e em cada ambiente teria muita coisa para fazer. Pequenas
“grandes” adequações.
JMN: Teresina é uma cidade acessível?
CHM: Não. Teresina tem muito o que
melhorar. Basta você dar uma volta no centro da cidade de olhos fechados
e uma bengala. E é porque nem estou falando dos bairros, viu?
JMN: Muitas pessoas tem algumas curiosidades. Como é o processo para ter um cão guia, por exemplo?
CHM: É complicado. Eu, por exemplo, não
tenho condições de ter. O cão-guia é indicado para quem sabe se
locomover com a bengala. Existe uma fila de pessoas esperando, pois
existem vários critérios, como a questão financeira, a acessibilidade
para evitar que o cachorro se machuque, se você mora em casa ou
apartamento, enfim. Assim você se adianta ou fica atrás na fila.

JMN: Qual área do Direito você quer seguir?
CHM: Área cível e direito público. Quero fazer um concurso.
JMN: Você pretende lutar pelos direitos da pessoa com deficiência?
CHM: Isso é impossível que eu fuja. É
minha realidade desde sempre. Precisamos fazer nossa voz ser ouvida. Foi
o que falei quando passei na OAB para os amigos da Associação: a prova
da Ordem me dá uma arma a mais para lutar. Se surgirem necessidades, vou
lutar porque é algo coletivo que me afeta diretamente. Conheço nossas
necessidades.

JMN: Por que você escolheu o curso de Direito?
CHM: Uma professora da Associação disse que eu tinha
vocação para Jornalismo, Psicologia e Direito, isso com sete anos.
Anulei as duas primeiras e fiquei com o Direito. Mas aos 13 anos comecei
a acompanhar minha tia, que é formada em Direito e é advogada hoje.
Então eu ia brincar com o filho dela e ouvia as aulas, então gostei. O
Direito é meu amor de adolescência. (Meio Norte)
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