Toma posse no governo do Maranhão em 1º
de janeiro o comunista Flávio Dino. O candidato do PCdoB derrotou no
primeiro turno, com 63,53% dos votos, Lobão Filho, do PMDB e uma
coligação de outros 17 partidos, do DEM ao PT, com apoio do Palácio do
Planalto. Como Dilma não foi ao estado, corria nas ruas e bastidores que
a presidenta (que teve ali 78,76% dos votos) torcia calada por Dino. A
militância petista, por sua vez, fez campanha aberta pelo nome que
derrotaria o império econômico e midiático das famílias Sarney e Lobão,
que detêm jornais e emissoras de rádio e TV, inclusive retransmissoras
da Globo e do SBT no estado.
A coligação de Flávio Dino tem legendas
que se opõem a Dilma, como PP, PPS, e o vice, Carlos Brandão, do PSDB.
Como entender as complexas alianças admitidas pelo desgastado sistema
eleitoral brasileiro? O advogado Flávio Dino, professor de Direito da
Universidade Federal do Maranhão, vê na frente que liderou o “sentido da
modernização da política e da transformação da vida do povo”. Já na
aliança com o PMDB, para ele o PT superestimou a capacidade do partido
de Sarney de contribuir com a governabilidade.
Dino começou a militância nos anos 1980.
Foi advogado do Sindicato dos Bancários do Piauí quando presidido por
Wellington Dias – que, aliás, também toma posse no governo vizinho em
janeiro. Em 1994, ingressou na carreira de juiz federal, na qual
permaneceu por 12 anos. Deixou a magistratura em 2006, filiou-se ao
PCdoB e se elegeu deputado federal. Conhecedor profundo dos três
poderes, Flávio Dino brinca que a presidenta Dilma não terá um único dia
de tédio neste início de segundo mandato. Ele vê na Operação Lava Jato
uma tempestade política, mas discorda de “catastrofistas” que dizem que o
fim do mundo se avizinha. E aposta: essa tempestade ainda pode ter como
principal saldo positivo o fim das doações de empresas a campanhas.
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Como um estado comandado sempre pelas mesmas forças políticas continua tão atrasado em termos de desenvolvimento humano?
“A questão de essência é essa. A
desigualdade profunda que faz com que um estado com tantas
potencialidades naturais, culturais e econômicas não consiga realizá-las
a ponto de garantir qualidade de vida para o povo. Esse é o desafio
número um: como garantir que a mudança não seja apenas a mudança dos
políticos, mas a mudança para o povo, das condições de vida. Nosso campo
político elegeu 16 deputados estaduais, de um total de 42. Queremos
avançar na formação de uma maioria parlamentar. A questão mais relevante
é a alavancagem de investimentos públicos e privados que garantam
crescimento, acompanhado de políticas sociais que assegurem serviços
públicos universais, e melhorar a posição do Maranhão no que se refere
ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) que, dependendo do atributo,
sempre oscila entre as três últimas colocações do país, alternando com
Piauí e Alagoas.”
As finanças do estado estão como o senhor imaginava, melhor ou pior?
“As finanças estão até em condições de
razoáveis para boas, considerando a situação muito pior de outros
Estados. O problema na transição é que há uma conspiração permanente
para piorar a situação fiscal. Ideias que nunca haviam sido apresentadas
nas últimas décadas, de repente surgiram. Conseguimos judicialmente
impedir uma licitação que iria terceirizar o presídio de Pedrinhas,
produzindo gasto mensal por preso na ordem de R$ 8 mil, três vezes mais
do que a média nacional. Compensaria mais investir diretamente nas
famílias dos presos do que mantê-los em um sistema dominado pelo crime
organizado, a ponto de terem, hoje, as chaves das suas próprias celas.
Estamos o tempo todo tentando desativar essas tentativas.”
A relação com a governadora Roseana Sarney ajuda no processo de transição?
“A rigor, não houve uma transição
organizada por falta de iniciativa do próprio governo. Nós buscamos.
Cheguei a enviar ofício para a governadora pedindo a colaboração. Não
houve uma resposta adequada a isso. Infelizmente, a atual governadora
não deu a orientação para seus secretários de ajudar na transição.”
O Maranhão compõe o chamado Meio
Norte com o vizinho Piauí, do governador Wellington Dias (PT), que já
tem um acúmulo de programas sociais e de desenvolvimento locais.
Pretende adotar algum?
“O governador Wellington é um amigo de
longa data. Fui advogado dele quando era presidente do Sindicato dos
Bancários do Piauí, já se vão quase três décadas. Tenho certeza que vou
poder contar com a ajuda dele. Maranhão e Piauí, além da geográfica, têm
proximidade também no dia a dia. O fato de ele ir para o terceiro
mandato indica que teve mais acertos do que erros, e eu também quero ter
mais acertos do que erros.”
No Maranhão, essa esperança
conseguiu vencer o poder das mídias controladas pelas famílias Sarney e
Lobão. Mas será possível governar com esse poder da mídia na oposição?
“Nós enfrentamos isso desde sempre. Essa
assimetria de meios, não só no que se refere à mídia, como ao poder
econômico. Enfrentamos uma espécie de poder total, que tem múltiplos
tentáculos. O importante é identificar isso como um obstáculo e ter as
ações corretas para superá-lo. E a ação correta, no plano estadual, é
avançar em mecanismos que democratizem a circulação de informações.
Reestruturação do sistema público de comunicação. É possível, a partir
de uma emissora pública de rádio, melhorar as condições de pluralidade
na circulação de ideias na sociedade. Apoiar jornais regionais, pequenos
jornais, blogs regionais e investir muito na extensão do acesso à
internet, à banda larga, que é também um caminho para você diminuir essa
assimetria absoluta, na medida em que eu não sou dono nem de rádio, nem
de TV, nem de jornal, e não serei.”
No plano federal, a principal dificuldade dos governos do PT foi não ter mexido com os meios de comunicação?
“Essa é a principal dívida desses 12
anos de governo do campo de esquerda progressista com o Brasil. Poderia e
deveria ter avançado mais. Tenho a impressão que faltou medir melhor o
tamanho desse problema e enfrentá-lo com consistência e continuidade.
Acompanhei, como deputado federal, a criação da EBC, Empresa Brasileira
de Comunicação, discuti intensamente o projeto. Porém, esse é um esforço
praticamente isolado. Se nós pegarmos a política para as rádios
comunitárias, o que se alterou? Mesmo na internet se avançou pouco. Ao
se pensar um segundo mandato da presidenta Dilma marcado por uma cena
política de muito embate, longe de isso levar ao rebaixamento de
objetivos, deve levar a mais ousadia. A não priorização de determinadas
questões acabou criando as condições até para que algo inimaginável, há
algumas décadas, se manifestasse agora, como esse absurdo clamor por um
golpe militar.”
Esse discurso golpista ainda
está na boca de uma minoria, mas parece ser estimulado por algumas
forças de oposição. Algumas declarações de Aécio Neves, FHC, Aloysio
Nunes não criam um ambiente perigoso para a democracia?
“Todo democrata sincero deve, em
primeiro lugar, fazer um apelo às forças políticas do país para que
tenham responsabilidade e zelo com o Estado democrático de direito, que
foi tão duramente conquistado. Esse jogo da perenização do ódio é o jogo
da negação da democracia. Isso flerta com o fascismo, pois traz
desdobramentos incontroláveis para todos. Por isso mesmo tenho um
otimismo de que o PSDB e outras forças políticas vão ter muita firmeza
no isolamento dessa insanidade de pedido de intervenção militar.”
Como é ser comunista, no Brasil, com essa minoria anticomunista tão barulhenta?
“Enfrentamos isso com muita nitidez, na
campanha, porque estávamos diante de dois quadros da direita brasileira,
que são o senador José Sarney e o ministro Edison Lobão, ambos com
origens profundas no regime militar. Nesse momento, em que eles se
sentiram ameaçados em seu poder, eles abandonaram qualquer tipo de
verniz democrático e fizeram contra nós uma campanha que fez lembrar os
piores momentos do Comando de Caça aos Comunistas. É muito desafiador
afirmar uma identidade contra-hegemônica, e ao mesmo tempo, fazer as
alianças políticas que conduzam a um programa que receba a adesão da
maioria da sociedade, mas sem esconder e sem negar a sua identidade.
Fizemos uma aliança ampla, porém o sentido dominante dessa aliança é
exatamente o da modernização da política e da transformação da vida do
povo, aquilo que tenho chamado da soberania dos pobres.”
Sua vitória pode contribuir para
reconstruir unidade dentro do próprio PT do Maranhão já que apoiou
Lobão Filho (PMDB), enquanto a militância te apoiou. É possível unir o
campo da esquerda e superar esse pragmatismo?
“Espero que sim. O pragmatismo é uma
palavra que traz todos os vírus e bactérias da negação da boa política.
Uma coisa é ter senso de leitura da realidade, de análise da conjuntura,
senso prático. Outra é absolutizar tudo isso, que é o pragmatismo. Mas
esse pragmatismo acabou conduzindo para que o PT, nacionalmente e no
estado, acabasse elegendo o PMDB como seu parceiro preferencial. Só que o
PMDB do Maranhão tem nome e sobrenome, representa esse coronelismo dos
anos 1950, que acaba por ter uma sobrevivência quase que inacreditável,
pois vem desde Juscelino Kubitschek até o governo Dilma, personalizado
na figura do senador José Sarney. O próprio resultado mostra que o
melhor posicionamento eleitoral do PT, no Maranhão, é buscar recompor
esse campo conosco. É o apelo que tenho feito, tanto em nível estadual
como em nível nacional.”
O debate político nacional
demonstra que a importância do PMDB, sobretudo de alguns “sobrenomes”,
foi superestimada pelo PT para a correlação de forças nacional?
“Acho que essa é a palavra mais correta.
Há uma superestimação da importância de algumas figuras nesse processo.
É certo que, visando a assegurar a chamada governabilidade, você tem de
fazer alianças. Não há dúvida. A questão que se põe é aliança com quem,
em que termos e quem dirige a aliança. A impressão que eu tenho é que,
em alguns momentos, essas indagações deixaram de ser feitas pelo PT, o
que explica muitas das suas dificuldades atuais. É preciso ter uma visão
mais aberta do que é exatamente o Congresso Nacional, e não procurar
criar blocos que no cotidiano não funcionam. Toda semana o governo tem
de negociar com o PMDB em torno da sua pauta. Isso demonstra que há algo
de errado. O PMDB pode ajudar, mas acho que há outras forças que também
podem ajudar e que devem ser valorizadas.”
Essas contradições do sistema
político, como falta de programa e de fidelidade partidária, seriam
superáveis a partir desse Congresso? A educação política do eleitor em
relação a um programa, e não a uma promessa. é possível mexer nisso?
“Hoje, em condições normais de
temperatura e pressão, diria simplesmente que não. Ocorre que este final
de 2014 e início de 2015, vai ser marcado por um profundo terremoto
político. A Operação Lava Jato tem um potencial de destruição desse jogo
político tão profundo que nós não sabemos bem no que isso vai dar. Ao
similar, na Itália, que foi a Operação Mãos Limpas, resultou no império
de Silvio Berlusconi. Imagino que essa é a grande questão que hoje deve
ser colocada. Em condições normais, o Congresso nada deliberaria. Mas
diante de um terremoto que vai ocorrer, que é a Operação Lava Jato, as
condições políticas mudam.”
Esse fato, associado ao julgamento pelo
Supremo Tribunal Federal sobre financiamento empresarial de campanhas,
obrigará o Congresso a deliberar alguma coisa. E esse é um dos temas
centrais da luta política nos próximos meses, porque esse sistema
político eleitoral atual vai ser implodido de fora para dentro pela
Operação Lava Jato e pela decisão do STF, provavelmente, tornando
inconstitucional o financiamento empresarial para campanhas. Em 2015,
teremos algum tipo de reforma política. Temos de ter um sistema de
financiamento que preserve a política e a proteja do poder financeiro e
econômico, e em que você desindividualize a luta eleitoral para
priorizar os projetos e programas, de modo a garantir que o voto do
cidadão tenha mais qualidade.”
Existe estratégia política movendo a Lava Jato?
“Acho que, na verdade, diferente da
avaliação de alguns, não há hoje um comando político na realização da
operação. Há uma disputa de apropriação do significado dela, mas não
consigo enxergar que haja uma orientação política desse nível de
sofisticação “nós vamos fazer isso para chegar aqui ou acolá”. O erro
está no terreno da apropriação política de fatos que fazem parte de um
projeto judicial concreto.
Mas houve vazamento seletivo de
informações originadas de delação premiada, sob sigilo. Também ficou
escancarado nas redes sociais que alguns integrantes da PF têm posição
política contrária à presidenta, ao PT.
Em relação aos delegados da Polícia
Federal, particularmente, achei gravíssimo o que foi identificado, e que
aparentemente vai se confirmar no curso da investigação. O delegado da
Polícia Federal é um cidadão, e tem direito à opinião política. Mas não
no momento em que conduz uma investigação com esse peso político.
Naturalmente, em nome da preservação da legitimidade da sua atividade,
não pode embaraçar isso com a opinião política. O caso deve ser apurado e
objeto de atuação dos órgãos de controle da própria PF. Agora, os fatos
existem. E essa temática de vazamento é sempre muito delicada, porque
você nunca consegue identificar quem vazou.
Em um processo judicial, muitas pessoas
têm acesso, inclusive advogados dos investigados. Sempre fica esse jogo,
“foi o delegado”, “não, foi o advogado”, “não, foi o juiz”. Por isso
tenho defendido que a melhor coisa que haveria, hoje, do ponto de vista
político e da legitimidade dos agentes públicos envolvidos na
investigação, é a plena publicidade. Fui juiz por 12 anos e, com essa
experiência, não consigo imaginar que tornar público (todo o conteúdo do
processo) vá atrapalhar o desdobramento de alguma investigação.
O melhor a se fazer, para combater esses
vazamentos seletivos, é exatamente a plena publicidade. E até para que
as pessoas possam se defender. O sigilo absoluto acaba negando o direito
de defesa porque fica sempre no terreno da especulação. E isso leva a
um julgamento arbitrário, incompatível com o Estado de direito.”
A partir do julgamento do
processo do chamado mensalão, não lhe pareceu que parte do Judiciário
pendeu favoravelmente para um dos lados da polarização política do país?
“O Supremo Tribunal Federal, como
qualquer tribunal do país, qualquer juiz, tem de zelar pela coerência
das suas decisões. O que chama a atenção, e dá espaço à crítica, é
quando há situações em que há tratamentos díspares para situações
idênticas, como os casos do chamado mensalão e o mensalão mineiro. Mas
de um modo geral temos o STF mais progressista da história. Tanto é
assim que avanços fundamentais foram confirmados pela Corte. Por
exemplo, as cotas raciais, o reconhecimento da união homoafetiva. Acho
que não é correto dizer que o Supremo e o Judiciário desempenhem um
papel reacionário. Discordo frontalmente.”
Essa ‘PEC do pijama’, que
estende a aposentadoria compulsória dos magistrados de 70 para 75 anos,
visa ao aprimoramento da Corte?
“Não, de jeito nenhum. Sempre combati
essa ideia, desde os tempos em que era juiz. Na Constituinte já houve
esse debate. Elevar para 75 anos para diminuir a alternância no poder
vai no sentido oposto aquilo que eu defendo. Defendo mandatos no Supremo
Tribunal Federal, à semelhança das cortes institucionais europeias.
Apresentei uma emenda constitucional nesse sentido, em 2009. Os 75 anos
de idade representariam exatamente a continuidade desse poder, que já é
vitalício, seria um enorme equívoco e enorme casuísmo.
O ministro Gilmar Mendes segura há oito
meses seu voto em relação ao financiamento privado de campanhas, o
placar de 6 a 1 a favor da proibição não pode mais ser revertido. Não é
excesso de poder na mão de um magistrado, impedir que um processo siga
seu rito?
“Essa questão é antiga no Supremo e hoje
se exige uma revisão do regimento de todos os tribunais, inclusive do
Supremo, nessa questão. Pedido de vista não pode ser absoluto. No
Parlamento você pode pedir vista, mas o tema volta à pauta decorridas
duas seções. Você pede vista, decorridas duas seções o tema volta à
pauta automaticamente. Algum tipo de mecanismo dessa natureza está
maduro para ser adotado, para evitar que o poder individual se
sobreponha à vontade do colegiado.”
O senhor perdeu um filho
adolescente (em 2012), vítima de um erro médico, em um hospital
conceituado de Brasília. Esse episódio mexeu com a sua disposição de
querer mudar as coisas por meio da política?
“No que se refere às razões de eu
procurar mudar a realidade, não. São opções que se fazem ao longo da
vida, no meu caso optei ainda bem jovem por ficar, como gosto de dizer,
na margem esquerda do rio da vida. Obviamente, um fato dessa magnitude
não pode sequer ser traduzido em palavras, e muda sua organização
emocional, o modo como você vê as relações humanas, o modo como vê as
pessoas, e você passa a vivenciar as injustiças de outro modo. Uma coisa
é você falar da injustiça racionalmente. Outra é ser vítima de uma
delas, das formas mais absolutas que pode existir, a perda de um ente
querido. É fato que nunca fica no passado, só tem um tempo verbal para
falar dele, o presente. Por isso, ele integra a minha vida nesse sentido
de buscar ajudar outros injustiçados, como eu sempre busquei, agora com
esse elemento a mais.”
Qual sua expectativa em relação à
próxima legislatura, com uma pessoa com as características do Eduardo
Cunha (PMDB-RJ) jogando pesado para presidir a Câmara. Prevê dias
difíceis para a presidenta Dilma?
“Acho que ela vai ter dias sem tédio
(risos). Todas as pessoas lutam, enfim, contra o tédio da existência.
Dificuldades agudas se avizinham, independentemente dessa questão do
personagem a, b, ou c. Como disse há pouco, esse mundo político
institucional vai viver um terremoto nos próximos meses, então é natural
que a presidenta Dilma vai estar cotidianamente posta diante de novos
desafios, mas superáveis. Discordo profundamente de leituras
catastrofistas de que o fim do mundo se avizinha.”
Mas é dada como certa a eleição do Eduardo Cunha para a presidência da Câmara ou é possível reverter essa tendência ainda?
“Quando saí da magistratura e fui para a
Câmara, uma vez uma repórter perguntou qual a diferença. Eu disse que a
diferença é que, na vida de juiz, sei que depois de segunda-feira
necessariamente vem terça-feira. E na Câmara, não. Ninguém sabe ao certo
o que vai acontecer no dia seguinte. Em razão dos fatos a que fiz
referência, Operação Lava Jato, decisão do Supremo etc., tudo é
imprevisível. A gente só vai saber quem será o presidente da Casa mesmo
no dia 1º de fevereiro.”
Tem-se dito que o futuro
Congresso será mais conservador. Será, mesmo, mais conservador do que
tem sido nas últimas duas décadas?
“Há uma lenda no Brasil que diz que só
um Congresso pode ser pior que o atual: o seguinte. Isso virou
lugar-comum na análise política do Brasil, e o apocalipse nunca chegou.
Não quero fazer uma análise ingênua. Houve uma redução das bancadas do
PT e do PCdoB, mas essas bancadas também já foram menores em outros
tempos, bem menores. O PT, na Constituinte, tinha 16 deputados, se não
me falha a memória. O PCdoB tinha dois ou três. Então qual é a
referência para dizer que esse Congresso é mais conservador do que o
“Centrão” na Constituinte? O Congresso pulsa muito ao sabor do que
acontece na sociedade, para o bem e para o mal.
Como o Congresso é muito gelatinoso,
amorfo nesse sentido, nós podemos até, desse terremoto, extrair uma boa
reforma política. É possível. Vou te dar um exemplo: foi um Congresso
bem parecido com esse que votou a lei da Ficha Limpa, que todo mundo
dizia que não iria passar. Porque se estabeleceu uma tal correlação de
forças na sociedade que levou a que a lei da Ficha Limpa passasse.
Participei diretamente disso. Acho que a dificuldade existe, no terreno
econômico inclusive, mas não vejo esse fim do mundo na esquina.
Há movimentos para que a reforma
política seja feita por uma Constituinte exclusiva, e há quem tema que
seja arriscado convocar uma Constituinte e ela resultar, como esse
Congresso, numa composição piorada.
Uma pessoa de esquerda não pode ter medo
de eleição. Olhando como analista político, como alguém do direito,
como tese, a melhor sem dúvida é a de uma Constituinte exclusiva. Nesses
anos todos, nos últimos 20 especialmente, quantas vezes já se discutiu
financiamento público, lista pré-ordenada, lista fechada, flexível, voto
em dois turnos, sistema distrital, distrital misto, fim da reeleição,
voto facultativo, todo esse cardápio, e nunca se chega a uma
deliberação?
A mim parece a tese mais adequada uma
Constituinte que fosse convocada visando, sobretudo, ao redesenho do
modelo político e tributário. Até porque ela não nega outras teses. Você
pode continuar defendendo a Constituinte, e ao mesmo tempo, estar no
Congresso lutando para que no meio desse terremoto se vote algo mais
avançado, como fizemos na lei da Ficha Limpa.”
O que seria uma mudança substancial?
“O tema principal é o financiamento de
campanha. Enfrentar essa questão da subordinação do poder político ao
mundo econômico-financeiro. Nada é mais importante do que isso, porque o
sistema atual é uma usina de ficha suja. O sistema de votos, a
reeleição, um mandato mais longo etc… quaisquer outros temas que eu fale
são secundários. A questão principal é quem paga a conta da democracia.
É a questão mais aguda no mundo, onde há eleições com características
como as nossas. Um sistema que, de algum modo, dá maior peso ao
financiamento público, me parece mais adequado. O que, não
necessariamente, significa financiamento público exclusivo. Pode-se
combinar o financiamento público com o chamado financiamento cidadão.
Você pode admitir o financiamento empresarial via fundo partidário.
Se a empresa quer contribuir para o jogo
democrático, como hoje acontece muito, as grandes sobretudo, doam para a
direita e para a esquerda, que faça isso de modo transparente. Doe para
um fundo gerido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Há vários caminhos,
mas só se vai conseguir percorrer essa agenda se você focar nela. Se
começar a se dissipar o cardápio para discutir se o mandato tem que ser
de quatro ou cinco anos, se o senador tem que ter um ou dois suplentes,
não se chega a lugar nenhum. A não ser por intermédio de uma
Constituinte exclusiva, e aí sim se chega.”
Uma constituinte exclusiva poderia redimensionar o Congresso, a quantidade de deputados e senadores?
“A rigor, uma Constituinte pode tudo. Há
uma oposição juridicista a essa ideia de Constituinte, porque se disse
que seria inconstitucional. Por esse raciocínio, a Constituição de 1988
seria inconstitucional, pois foi feita por um Congresso Constituinte,
convocado por uma emenda constitucional à Constituição de 1967. Se isso
não puder ser feito de novo significa dizer que a Constituição de 1988 é
inconstitucional, o que é um absurdo. Por isso, acho que pode e deve
ser feito um novo Congresso Constituinte.”
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