O Senado cassou nesta quarta-feira (11) o mandato de Demóstenes Torres
(ex-DEM-GO, atualmente sem partido) por quebra de decoro parlamentar. A
cassação veio pouco mais de quatro meses após a prisão do contraventor
Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, em uma operação da Polícia
Federal que investigou as relações do bicheiro com vários políticos,
policiais e empresários.
Foram 56 votos a favor da cassação, 19 votos contra, 5 abstenções e 1
ausência. Eram necessários 41 votos para que a cassação fosse aprovada.
A sessão do Senado que cassou o mandato de Demóstenes começou às 10h10 e durou pouco mais de três horas.
Com a cassação, o ex-líder do DEM fica inelegível até 2027 (oito anos
após o fim da legislatura para o qual foi eleito), quando terá 66 anos.
Além disso, ele perde o foro privilegiado e seu processo poderá deixar
de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal para ser julgado apenas
pela Justiça Federal de Goiás.
Com a saída de Demóstenes, o DEM recupera a sua vaga no Senado e o
sucessor natural ao cargo é o primeiro suplente, Wilder Pedro de Morais
(DEM). Por ironia, ele é ex-marido de Andressa Mendonça, atual mulher de Cachoeira.
A trajetória do então senador era marcada por críticas pesadas a
políticos desonestos. Demóstenes era um dos primeiros parlamentares a
criticar a falta de ética de colegas e de membros do governo.
Sobre Renan Calheiros, por exemplo, o goiano disse: "É intolerável sob
qualquer critério que o presidente utilize a estrutura funcional do
Congresso para cometer crimes", criticando o colega acusado de cometer
irregularidades em 2007.
Nem seu próprios companheiros de partido eram poupados. "Defendo sempre
a expulsão sumária", disse o então senador Demóstenes Torres sobre o
ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, envolvido em
2009 no escândalo do mensalão do DEM.
Sessão de cassação
A sessão do Senado que culminou na cassação começou às 10h10 desta quarta-feira. O primeiro a discursar na tribuna foi o senador Humberto Costa (PT-PE), que foi relator do caso no Conselho de Ética e encaminhou seu parecer pela cassação de Demóstenes. Depois dele, falou senador Pedro Taques (PDT-MT), que foi relator na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça do Senado). Após a fala dos dois, discursaram os demais parlamentares que se inscreverem, começando pelo senador Mário Couto (PSDB-PA).
Em sua defesa, tanto Demóstenes quanto seu advogado criticaram a
imprensa e afirmaram que o agora ex-senador foi vítima de um massacre
público. "Hoje cai o rei de espadas, cai o rei de ouros, cai o rei de
paus, não fica nada", disse Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), lembrando
Ivan Lins, ao falar na tribuna do Senado nesta quarta-feira (11). O parlamentar se comparou a Jesus Cristo,
disse que foi perseguido como "um cão sarnento" e afirmou que a Casa
praticaria política de dois pesos e duas medidas se o cassar, já que sua
situação é similar à do relator de seu processo, Humberto Costa
(PT-SE).
Em seu discurso, Demóstenes
lembrou que o relator de seu caso no Conselho de Ética, Humberto Costa
(PT-PE), foi acusado de envolvimento na máfia dos Sanguessugas –esquema de liberação de emendas para a compra superfaturada de ambulâncias– quando era ministro da Saúde.
Demóstenes iniciou publicamente sua defesa no dia 2 de julho. O então
senador foi quase diariamente à tribuna do plenário do Senado expor seus
argumentos, enfatizando sobretudo que o processo contra ele baseou-se
em escutas ilegais. Entre outras frases de efeito, Demóstenes disse que
mentir não configura quebra de decoro. "Se o parlamentar mentir, é um
problema dele com sua consciência e sua audiência, não com o decoro.
Aliás, nada do que o parlamentar diz da tribuna pode ser quebra de
decoro", afirmou no discurso do último dia 9.
Baluarte da ética
Procurador de Justiça, professor universitário, jornalista, advogado,
presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça,
secretário de Segurança Pública e Justiça de Goiás, senador, líder de
partido e, finalmente, suspeito de ser membro de um esquema de corrupção
ligado ao jogo. A trajetória de Demóstenes Torres foi meteórica.
Oposicionistas o consideravam um bom candidato a vice-presidente em
2014. Governistas o respeitavam. Hoje, ele deixa a arena política pelos
mesmos vícios que já apontou em colegas que nunca se afastaram do poder.
Aos 51 anos de idade, era também presidente da Comissão de Constituição
e Justiça do Senado – a mais importante da Casa. Participou da
formulação do novo Código Penal e foi um dos mais incisivos
parlamentares a cobrar investigações sobre seus colegas José Sarney
(PMDB-AP), Renan Calheiros (PMDB-AL), entre outros. Elegeu-se pela
primeira vez apenas em 2002, pelo PFL (atual DEM). Tentou o governo de
Goiás em 2006, mas acabou com apenas 3,5% dos votos na eleição vencida
por Alcides Rodrigues (PP), aliado de seu maior rival político, o atual
governador Marconi Perillo (PSDB). Foi reeleito senador em 2010 pelo
DEM.
Nas propostas legislativas, era um dos senadores mais produtivos da
Casa: apresentou mais de mil projetos. Foi várias vezes incluído na
lista de "Cabeças do Congresso" pelo Departamento Intersindical de
Assessoria Parlamentar (Diap). A revista “Época” chegou a elegê-lo, em
2009, como uma das cem maiores personalidades do país. O site Congresso
em Foco, com base em entrevistas de jornalistas, o colocou como o oitavo
melhor parlamentar de 2011, somando todos os senadores e deputados
federais. Era, junto do presidente do DEM, senador José Agripino Maia
(RN), a principal figura do partido oposicionista, até que pediu
desfiliação da sigla, em abril, acusando o partido de ter feito um
pré-julgamento sobre seu caso.
Nas últimas eleições, declarou um patrimônio modesto à Justiça
Eleitoral: R$ 374,9 mil em seis bens (duas aplicações, duas contas
bancárias, um carro Captiva Sport ano 2009 e uma participação societária
no valor de R$ 200 mil).
Polêmicas de Demóstenes
Em seu primeiro mandato no Senado, o senador se disse vítima de um
grampo ilegal em 2008 que teria flagrado uma conversa dele com o então
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. O grampo,
relacionado à Operação Satiagraha da Polícia Federal, nunca foi
confirmado. Um ano antes, acusou o peemedebista Renan de estar "em um
chiqueiro" após denúncias de que o senador pagava pensão a uma amante
com dinheiro de um lobista de empreiteira.
Em 2009, pediu que Sarney renunciasse à presidência do Senado em meio
às suspeitas de que o ex-presidente tivesse feito tráfico de influência
no cargo e sido complacente com corrupção em sua gestão. Chamou Perillo,
ex-colega de Casa, de "mentiroso" e "ladrão". Também sugeriu a saída do
Conselho de Ética do Senado ao suplente de suplente Paulo Duque
(PMDB-RJ), que arquivou uma série de representações contra Sarney.
Apesar de vários senadores já terem protagonizado denúncias de quebra
de decoro parlamentar, a cassação de Demóstenes é apenas a segunda do
Senado brasileiro – antes dele, apenas Luiz Estevão (DF) foi cassado, em
2000, e perdeu os direitos políticos até 2014. Em outras quatro
ocasiões, processos que tramitaram no conselho levaram à renúncia de
senadores – três deles eram presidentes do Senado. A maior parte das
denúncias, no entanto, foram arquivadas.
Uol
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