27 junho, 2018

Especial Mais IDH – Jenipapo dos Vieiras: Hoje tem teatro

Plano Mais IDH muda a vida de moradores em Jenipapo dos Vieiras. (Foto: Fellipe Neiva)
Thamara e Thamyris poderia ser nome de dupla sertaneja, mas são duas enfermeiras da Força Estadual de Saúde do Maranhão – com veia artística, contudo. Mal chegaram em Jenipapo dos Vieiras, o desafio estava posto: como se comunicar com os quase seis mil índios Guajajara que vivem no município? Como reduzir a mortalidade infantil ensinando sobre o risco de doenças e as consequências da má alimentação a quem pouco entende e muito menos fala o português? Thamara Azevedo e Thamyris Machado acharam um jeito: teatro.

É dia de visita na aldeia de Cacimba Velha, uma das noventa da Terra Indígena Cana Brava. De um lado da sala, no posto de saúde da comunidade, estão as duas enfermeiras. No colo de Thamyris, uma boneca transformada em filha, protagonista de situações domésticas, próprias da maternidade. Enquanto vai contando a história, arrisca umas palavras em língua Guajajara: tiehahi, diarreia; uhu, vômito. Do outro lado da sala, as índias, todas munidas de tipoia, e em cada uma um bebê. Exceto Maria Onete Guajajara, cujo colo sustenta dois corpinhos: o de Raiane e Eliane, quatro meses de vida e quatro pés pintados de jenipapo até as canelas – um jeito de enfeitar as meninas do povo Guajajara. Todos ali sabem que estão diante de duas sobreviventes.

Existe um tabu entre os Guajajara – assim como em diversas etnias indígenas brasileiras – a respeito de gêmeos: crianças que nascem duplicadas são vistas como amaldiçoadas e, portanto, condenadas à morte tão logo vêm à luz. Ou mesmo antes: quando o marido de Maria Onete viu no ultrassom a notícia de que a quinta gestação de sua esposa traria à vida duas meninas de uma vez, quis logo acabar com o suposto infortúnio. Tomado de descontrole, pôs-se a chutar a barriga da esposa com a intenção de provocar o aborto. Por obra da sorte, Raiane e Eliane escaparam da agressão – viveram para ver a luz, ainda que antes da hora. Nasceram prematuras, com 33 semanas, e já foram logo internadas. Raiane, a menorzinha, tinha 29 centímetros de perímetro cerebral.

– Se não fosse prematura, seria microcefalia – esclarece Thamyris.

O fato é que as duas estão aí, no colo da mãe, gordinhas e bem, e até o pai, quem diria, acabou se tornando um homem zeloso e orgulhoso das caçulas geminadas.

As adversidades, contudo, não terminam aí. O desafio de Raiane e Eliane agora será tratar de não engrossar as tenebrosas estatísticas que assombram as mais de cem aldeias Guajajara da região. Em Jenipapo dos Vieiras, um terço da população é de indígenas, e é o estado precário em que vivem que ajuda a puxar para baixo o IDH do município. Cerca de 70% dos habitantes, por exemplo, estão abaixo da linha de pobreza – e todos os índios estão incluídos nessa cifra.
Plano Mais IDH muda a vida de moradores em Jenipapo dos Vieiras. (Foto: Fellipe Neiva)
– Em 2017, todos os óbitos infantis do município foram em terras indígenas – informa Thamyris. – Tivemos um surto de leishmaniose visceral nas aldeias.

Cacimba Velha escapou das mortes, mas não do surto:

– Ano passado adoeceu quase a vila toda – conta o cacique, Sabino Guajajara.

E isso que a aldeia tem posto de saúde. E as que não têm? Como se não bastasse, os Guajajara vivem fazendo brotar aldeias novas mata adentro: uma família se desgarra de uma comunidade já existente e vai fundar outra em outro lugar, quase sempre um ponto cego no mapa desprovido de água, luz, escola ou posto de saúde. E lá vão Thamara e Thamyris, diligentes, atrás da nova aldeia, tentando garantir que os bebês Guajajara se mantenham vivos, mesmo privados das mais diversas necessidades.

Cacimba Velha um dia já foi assim. Hoje a aldeia celebra a sobrevivência de Raiane e Eliane, além das sete cisternas de 25 mil litros que algumas famílias acabaram de receber, e ainda uma cisterna com o dobro de capacidade hoje cravada nos fundos da Escola de Educação Indígena Anisio Guajajara. Essa já tem serventia assegurada: sua água irá regar a horta comunitária que em breve surgirá ao lado, de onde brotarão os alfaces, tomates, abóboras e pimentões que alimentarão os cerca de trezentos alunos da escola. Logo mais também as gêmeas de Maria Onete estarão lá, estudando e comendo uma boa salada, coisa rara por ali.

– Eles não têm o hábito de consumir folhosas – esclarece Thamyris.

Daí a horta. Daí a água das cisternas. Daí o teatro. Tudo converge para uma meta única: garantir que Raiane, Eliane e todos os novos Guajajara que virão depois, gêmeos ou não, se lembrem das privações apenas como uma vaga memória de infância, dessas que a gente nem se recorda se aconteceram de verdade.

JENIPAPO DOS VIEIRAS

Ações do Mais IDH: Escola Digna, Sim, Eu Posso!, Bolsa Escola, Arca das Letras, Entrega de Uniformes Escolares em Áreas Indígenas; Centros de Referência em Assistência Social; Força Estadual de Saúde; Mais Sementes; Sistecs; Regularização Fundiária; Programa de Aquisição de Alimentos; Programa Nacional de Alimentação Escolar; Primeira Água; Segunda Água; Água Para Todos; Saneamento Básico Rural; Mais Feiras; Kits de Irrigação; Mais Asfalto; Minha Casa, Meu Maranhão; Cozinha Comunitária.

IDHM: 0,490
Ano de fundação: 1997
População: 15.440 habitantes
População rural: 83,7% do total
Renda per capita: R$ 127,24
População abaixo da linha de pobreza: 70,3%
Taxa de analfabetismo (acima de 25 anos): 43,6%
Mortalidade infantil: 26,4 entre mil nascidos vivos
Plano Mais IDH muda a vida de moradores em Jenipapo dos Vieiras. (Foto: Fellipe Neiva)

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