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Plano Mais IDH muda a vida de moradores em Jenipapo dos Vieiras. (Foto: Fellipe Neiva) |
Thamara e Thamyris poderia ser nome de dupla sertaneja, mas são duas
enfermeiras da Força Estadual de Saúde do Maranhão – com veia artística,
contudo. Mal chegaram em Jenipapo dos Vieiras, o desafio estava posto:
como se comunicar com os quase seis mil índios Guajajara que vivem no
município? Como reduzir a mortalidade infantil ensinando sobre o risco
de doenças e as consequências da má alimentação a quem pouco entende e
muito menos fala o português? Thamara Azevedo e Thamyris Machado acharam
um jeito: teatro.
É dia de visita na aldeia de Cacimba Velha, uma das noventa da Terra
Indígena Cana Brava. De um lado da sala, no posto de saúde da
comunidade, estão as duas enfermeiras. No colo de Thamyris, uma boneca
transformada em filha, protagonista de situações domésticas, próprias da
maternidade. Enquanto vai contando a história, arrisca umas palavras em
língua Guajajara: tiehahi, diarreia; uhu, vômito. Do
outro lado da sala, as índias, todas munidas de tipoia, e em cada uma um
bebê. Exceto Maria Onete Guajajara, cujo colo sustenta dois corpinhos: o
de Raiane e Eliane, quatro meses de vida e quatro pés pintados de
jenipapo até as canelas – um jeito de enfeitar as meninas do povo
Guajajara. Todos ali sabem que estão diante de duas sobreviventes.
Existe um tabu entre os Guajajara – assim como em diversas etnias
indígenas brasileiras – a respeito de gêmeos: crianças que nascem
duplicadas são vistas como amaldiçoadas e, portanto, condenadas à morte
tão logo vêm à luz. Ou mesmo antes: quando o marido de Maria Onete viu
no ultrassom a notícia de que a quinta gestação de sua esposa traria à
vida duas meninas de uma vez, quis logo acabar com o suposto infortúnio.
Tomado de descontrole, pôs-se a chutar a barriga da esposa com a
intenção de provocar o aborto. Por obra da sorte, Raiane e Eliane
escaparam da agressão – viveram para ver a luz, ainda que antes da hora.
Nasceram prematuras, com 33 semanas, e já foram logo internadas.
Raiane, a menorzinha, tinha 29 centímetros de perímetro cerebral.
– Se não fosse prematura, seria microcefalia – esclarece Thamyris.
O fato é que as duas estão aí, no colo da mãe, gordinhas e bem, e até
o pai, quem diria, acabou se tornando um homem zeloso e orgulhoso das
caçulas geminadas.
As adversidades, contudo, não terminam aí. O desafio de Raiane e
Eliane agora será tratar de não engrossar as tenebrosas estatísticas que
assombram as mais de cem aldeias Guajajara da região. Em Jenipapo dos
Vieiras, um terço da população é de indígenas, e é o estado precário em
que vivem que ajuda a puxar para baixo o IDH do município. Cerca de 70%
dos habitantes, por exemplo, estão abaixo da linha de pobreza – e todos
os índios estão incluídos nessa cifra.
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Plano Mais IDH muda a vida de moradores em Jenipapo dos Vieiras. (Foto: Fellipe Neiva) |
– Em 2017, todos os óbitos infantis do município foram em terras
indígenas – informa Thamyris. – Tivemos um surto de leishmaniose
visceral nas aldeias.
Cacimba Velha escapou das mortes, mas não do surto:
– Ano passado adoeceu quase a vila toda – conta o cacique, Sabino Guajajara.
E isso que a aldeia tem posto de saúde. E as que não têm? Como se não
bastasse, os Guajajara vivem fazendo brotar aldeias novas mata adentro:
uma família se desgarra de uma comunidade já existente e vai fundar
outra em outro lugar, quase sempre um ponto cego no mapa desprovido de
água, luz, escola ou posto de saúde. E lá vão Thamara e Thamyris,
diligentes, atrás da nova aldeia, tentando garantir que os bebês
Guajajara se mantenham vivos, mesmo privados das mais diversas
necessidades.
Cacimba Velha um dia já foi assim. Hoje a aldeia celebra a
sobrevivência de Raiane e Eliane, além das sete cisternas de 25 mil
litros que algumas famílias acabaram de receber, e ainda uma cisterna
com o dobro de capacidade hoje cravada nos fundos da Escola de Educação
Indígena Anisio Guajajara. Essa já tem serventia assegurada: sua água
irá regar a horta comunitária que em breve surgirá ao lado, de onde
brotarão os alfaces, tomates, abóboras e pimentões que alimentarão os
cerca de trezentos alunos da escola. Logo mais também as gêmeas de Maria
Onete estarão lá, estudando e comendo uma boa salada, coisa rara por
ali.
– Eles não têm o hábito de consumir folhosas – esclarece Thamyris.
Daí a horta. Daí a água das cisternas. Daí o teatro. Tudo converge
para uma meta única: garantir que Raiane, Eliane e todos os novos
Guajajara que virão depois, gêmeos ou não, se lembrem das privações
apenas como uma vaga memória de infância, dessas que a gente nem se
recorda se aconteceram de verdade.
JENIPAPO DOS VIEIRAS
Ações do Mais IDH: Escola Digna, Sim, Eu Posso!,
Bolsa Escola, Arca das Letras, Entrega de Uniformes Escolares em Áreas
Indígenas; Centros de Referência em Assistência Social; Força Estadual
de Saúde; Mais Sementes; Sistecs; Regularização Fundiária; Programa de
Aquisição de Alimentos; Programa Nacional de Alimentação Escolar;
Primeira Água; Segunda Água; Água Para Todos; Saneamento Básico Rural;
Mais Feiras; Kits de Irrigação; Mais Asfalto; Minha Casa, Meu Maranhão;
Cozinha Comunitária.
IDHM: 0,490
Ano de fundação: 1997
População: 15.440 habitantes
População rural: 83,7% do total
Renda per capita: R$ 127,24
População abaixo da linha de pobreza: 70,3%
Taxa de analfabetismo (acima de 25 anos): 43,6%
Mortalidade infantil: 26,4 entre mil nascidos vivos
Ano de fundação: 1997
População: 15.440 habitantes
População rural: 83,7% do total
Renda per capita: R$ 127,24
População abaixo da linha de pobreza: 70,3%
Taxa de analfabetismo (acima de 25 anos): 43,6%
Mortalidade infantil: 26,4 entre mil nascidos vivos
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Plano Mais IDH muda a vida de moradores em Jenipapo dos Vieiras. (Foto: Fellipe Neiva)
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