09 fevereiro, 2011

Os 100 anos de dona Aurora Falcão

" A mãe da pobreza de Barra do Corda"

Dona Aurora Falcão


* por Álvaro Braga


Neste 9 de fevereiro de 2011, caso estivesse ainda entre nós, dona Aurora Nava Falcão estaria completando um centenário de existência.
Filha de Acrízio Figueira Muniz e Maria Nava Muniz (Maroca), era neta do coronel José Nava pelo lado materno.
O casamento dos pais de Aurora ocorreu em 20 de maio de 1905.
O diário de Acrízio conta como foi o nascimento da pequena Aurora:
“Aurora - Hoje, 9 de fevereiro de 1911, nasceu às 6 e ½ horas da manhã, o meu sexto filho, do sexo feminino, na casa do Sr. Antônio da Rocha Lima, à rua Tiradentes, canto com a rua Affonso Penna (antiga rua da Paz). Foi hoje mesmo registrada no Registro Civil com o nome de Aurora Nava Muniz, sendo testemunhas José Milhomem de Carvalho e Alexandre Silva. Foi nesta ocasião dada pelo tabelião José do Patrocínio Martins Jorge a certidão de Idade”. Nota do Autor: a rua citada é a atual rua Cel. José Nava”.
Foi indescritível a alegria que penetrou na casa de Acrízio Figueira, pois os cinco primeiros filhos do casal haviam falecido em tenra idade. O nome Aurora foi escolhido para homenagear a sua vó Aurora Ewerton Nava e também à sua irmã falecida que possuía o mesmo nome.
Desde cedo a opção por cuidar da pobreza norteou a casa de Acrísio Figueira. Espírita kardecista convicto, ele acreditava na purificação da alma humana por meio da caridade, do amor ao semelhante e no desapego aos bens materiais.
A menina Aurora nasceu e se criou nesse ambiente psicológico e religioso.
Logo, acostumou-se a fazer as refeições com toda a família reunida em volta da mesa e a fazer as orações de agradecimento a Deus pelo alimento recebido.
Aurora era dona de uma beleza peculiar, possuidora de porte elegante, que lhe rendeu o título de Miss Barra do Corda em 1930, com apenas 19 anos de idade.
Sempre alegrou os salões e recepções sociais com sua graça e charme. Era a primeira a ser convidada para dançar, no velho prédio da Prefeitura e Câmara Municipal, onde atualmente está situada a Igreja da Matriz.
Pretendentes nunca faltaram mas a sorte grande em desposar a bela Aurora coube ao jovem Alberto Moussalem Falcão, filho de Gerôncio Falcão e Adélia Moussálem Falcão.
Foi mãe exemplar de três filhos: Régis, Alberto e Fernando Falcão. Este último, que foi prefeito de Barra do Corda e deputado estadual, por incrível coincidência do destino faleceu no dia do aniversário de 69 anos de dona Aurora, quando ambos estavam em São Paulo, justamente para cuidar da saúde do filho.
Dona Aurora suportou a indescritível dor de perder o filho querido em uma terra distante. Antes de falecer confidenciou a algumas amigas que ela e Fernando estavam hospedados em um hotel em São Paulo e o filho disse que após a consulta médica programada, iria comprar um bonito terno para ser usado em suas viagens à Brasília, umas peças para seu carro e umas roupas e brinquedos para suas filhas. Após as compras, com sacolas nas mãos, em plena via pública, Fernando passa mal, e cai. A corajosa Aurora acena para um menino de rua, que a ajuda a colocá-lo em um táxi. Ela deu umas moedas ao garoto e o carro foi ao hospital. Lá chegando, hospital vazio, pleno sábado, Fernando ofegante, dona Aurora prestes a entrar em desespero, mas sua fibra foi maior e ela grita. Grita a todos os pulmões até que aparece um médico e o põe na maca e o levam ao Centro Cirúrgico. Mas... era tarde. O enfarto fora fulminante.
Só Deus pode avaliar o sofrimento que essa inabalável mulher teve que suportar, no dia de seu aniversário, com a morte de seu filho Fernando.
Resignada, dona Aurora entregou a alma de Fernando ao Pai Supremo,e fez orações comovidas.
Sua fibra, de grande mulher, a acompanhou nos momentos mais dolorosos no trajeto de volta em avião, com o corpo, de São Paulo para São Luís, que teve a providencial ajuda do empresário Paulo Maluf, de origem sírio-libanesa, e do governador Abreu Sodré. De São Luís para Barra do Corda ela manteve-se todo o tempo sóbria, serena, envolta em seus pensamentos e angústias mais íntimas.
Dona Aurora Falcão sempre será um sinônimo de bondade e amor ao semelhante, pois dedicou mais ainda a sua vida em prol dos necessitados, após a irreparável perda.
Disse por mais de uma vez que Fernando entrou rico na política e saiu pobre.
Os mais humildes, jamais a esquecerão. Os dois depoimentos a seguir dão uma ideia de como ainda é venerada em Barra do Corda.
Depoimento de José Pereira Costa, lavrador na Unha de Gato, 78 anos:
“Dona Aurora tinha prazer em ajudar os pobres. Uma vez eu precisei dela e estava com vergonha de pedir um dinheiro para comprar algum alimento e voltar para o Ourives. Cheguei lá na casa dela e fiquei com vergonha. Fiquei calado olhando para ela e ela veio até mim e sorriu e disse que eu podia dizer o que estava precisando. Eu criei coragem e falei que não tinha dinheiro para tomar café e comprar umas coisas que minha família tava precisando. Ela me disse pra esperar um pouquinho. Subiu numa escada e depois veio com um dinheiro para me dar. Foi uma felicidade grande que eu tive. Ela era uma Rainha!”
Depoimento de dona Raimundinha Lopes da Silva, 73,dona de casa, no Ipiranga:
“Eu sempre digo: Quem quer ser sem poder, pede esmola sem querer! Eu quando era mais nova torrei tudo que eu tinha com besteira, nunca guardei nada, até que fiquei dependendo dos outros. Bati na porta de muita gente rica atrás de uns remédios e só dona Aurora me socorreu. Sempre vou rezar pela alma dela. Aquilo era uma Santa!”
Nonato Cruz, em e-mail dirigido a este autor, há vários anos, relembra uma página que escreveu sobre dona Aurora. Diz ele:
“Álvaro segue abaixo a crônica que fiz no dia em que dona Aurora Falcão morreu. Se quiser mais detalhes, pergunte ao Dr. Édem Salomão. Ele discursou no sepultamento dela:
A DOCE AURORA
Brasília, 13 de Maio – São 23 horas e, faz pouco tempo, recebi, através de telefonema, a infausta notícia do falecimento de dona Aurora Falcão, ocorrido às 20:30 horas desta quinta-feira (13 de maio de 2004), em Barra do Corda.
A doce Aurora faleceu aos 93 anos de idade, em consequência de falência múltipla dos órgãos vitais.
Ao repassar a triste informação à minha esposa, esta não conseguiu conter as lágrimas. Contagiado pela emoção, confesso que também chorei.
Sendo ela pessoa queridíssima da população, suponho que a cidade vive momentos de tristeza e dor.
Dona Aurora era uma dessas pessoas de quem se costuma dizer que “Deus só fez um exemplar e depois jogou a forma fora...”
Amável, carinhosa e dedicada, sempre tinha uma palavra de apoio a quem a ela recorria.
Os mais humildes e necessitados que batiam à sua porta, solicitando alguma ajuda, nunca saiam de mãos vazias. Caridosa que era, dedicou a sua vida a fazer o bem.
Em 1982, quando disputei a Prefeitura de Barra do Corda, tive como companheiro de chapa Aurora Falcão. Com ela desfrutei uma convivência amiga e fraterna. Perdi a eleição, mas ganhei para sempre a sua amizade.
Em todas as camadas da população a provecta senhora tinha uma imensa legião de amigos e admiradores. Ela era, entra a população de Barra do Corda e entre todas as pessoas que tiveram a felicidade de conhecê-la, uma unanimidade nacional.
Da doce Aurora, ou avó Aurora, como muitos a chamavam, podemos dizer que era a segunda mãe que todo órfão gostaria de ter. Enquanto vida eu tiver, guardarei dela doces lembranças e imorredouras saudades...
Detentora de uma alma pura e branca, como a neve dos seus cabelos, com certeza, Deus reservou para a doce e suave Aurora um lugar no Reino dos Justos...”

*Álvaro Braga é pesquisador, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Barra do Corda

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